Não restam dúvidas quanto ao sucesso da colocação da emissão de dívida pública no passado dia 12 de Janeiro, se o objectivo é ter financiamento para o Estado continuar a funcionar, sendo a taxa de colocação menos importante. Mas uma economia que não cresce terá, provavelmente, uma missão impossível para pagar juros de 7%. O sucesso é idêntico ao de colocar uma bala no tambor de uma pistola e jogar à roleta russa, um dia acaba o sucesso.
O euro é a única moeda a nível mundial que não usufrui de uma plena política económica. Tem uma política monetária centrada no Banco Central Europeu (BCE), mas quanto à política orçamental cada país tem a sua, para a moeda única ter o segundo pilar a funcionar, os orçamentos deveriam ser centralizados no Parlamento Europeu, e cada parlamento nacional teria que abdicar da elaboração do Orçamento do Estado. Gordon Brown advertiu Tony Blair dos entraves que podiam surgir com a adesão ao euro. Os EUA têm problemas de dívidas relevantes em alguns Estados (A Califórnia tem um rating de A-, dado pela S&P, idêntico à República portuguesa), mas existem vasos comunicantes que facilitam transferências de fundos entre Estados. No séc. XIX a Bélgica, França, Luxemburgo e Suíça partilharam a mesma moeda durante 30 anos, mas acabou por falhar por falta de uma política orçamental única. A Escandinávia também teve uma experiência idêntica com a Coroa. A crise da dívida soberana culminará numa espécie de federalismo europeu, união política? Esta crise pode ajudar a Europa a fortalecer-se. Aquilo que não nos mata torna-nos mais fortes.
Na Europa a política orçamental, por força das circunstâncias, é marcadamente contraccionista, ao contrário da política monetária. Austeridade para fazer face à consolidação das contas públicas trará mais recessão económica, mais desemprego, mais falências, menos consumo privado, menor arrecadação de impostos. É um ciclo vicioso, uma espiral negativa. Mais recessão que se traduzirá num agravamento da situação financeira e aumento da dívida pública. O ajuste tem que ser interno via corte da despesa e não aumento de imposto. Não se pode partir as pernas a uma pessoa e depois pedir para se levantar e caminhar.
A crise da dívida pública portuguesa foi despoletada mais cedo pela crise do subprime que surgiu em Agosto de 2007 e consequente crise financeira mundial. Portugal tem um problema estrutural: economia com um crescimento anémico e finanças públicas depauperadas, que não permitem à banca ir ao mercado de dívida desde Maio de 2010, reflectindo-se depois nas dificuldades em financiar a economia. Défices comerciais de 10% vão-se acumulando na dívida externa bruta de 250% do PIB, que Portugal tem que remunerar, mas os activos sobre o exterior pagam juros, rendas e lucros, logo a dívida externa líquida é inferior a 100%. O principal problema é das contas públicas, apesar das famílias e empresas se terem endividado significativamente na última década. Entrámos no Euro com um défice público baixo (menor que o espanhol), o elevado consumo interno e significativos gastos públicos contribuíam para um relevante crescimento do PIB e um “ilusório” baixo défice público em percentagem do PIB. A desorçamentação é a palavra-chave na última década. A descida do défice alcançada nos anos anteriores à crise de 2008 ficou a dever-se à transferência das despesas de capital para fora das contas públicas (mais tarde terão que ser pagas). Despesas essas que passam por parcerias público- privadas de auto-estradas, de empresas municipais e outras dívidas não escrituradas.
O FMI e o FEEF não cobram juros mais baixos. Trazem a garantia de financiamento, acabam com a incerteza e devolvem a liquidez aos bancos e aos mercados. O FMI só será chamado quando o governo português (e aprovado pela assembleia da República) não conseguir aceder ao mercado. A Irlanda na 1ª tranche do empréstimo está a pagar 5.5% para um prazo de 3 anos, precisamente a yield a 3 anos da dívida irlandesa no dia antes do FMI ser chamado.
Adenda de rodapé:
O Estado paga a 6% e os bancos remuneram depósitos a prazo a 1%? Sim, mas falamos de prazos diferentes. Um ano e 10 anos. Mas no entanto é verdade que o Estado a um ano pagou 5.3% em dezembro (bilhetes do tesouro). O Banco Santander paga 4% a um ano, com total liquidez e juros pagos mensalmente (O produto de poupança chama-se "ídolos", não sei se ainda está disponível, mas é só até 10.000 euros).
Pode comprar no mercado secundário. Os preços de venda dos leilões do Estado são quase sempre baseados nas cotações no mercado secundário. No aludido mercado secundário, em Dezembro, os bilhetes do tesouro cotaram perto dos 5.5%. Podia comprar quem quisesse...
O mercado primário, gerido pelo Instituto de Gestão de Crédito Público (IGCP), realiza os leilões e os intervenientes são intermediários financeiros autorizados pelo IGCP como operadores primários deste mercado, ou seja, as instituições a quem esteja atribuído o estatuto de Especialista em Bilhetes do Tesouro.Clientes particulares poderão ir no mercado primário através dos operadores especialistas. O mercado primário, por analogia, é como o mercado de automóveis novos. Passado 3 dias após a liquidação esses bilhetes do tesouro passam para o mercado secundário, é o mercado de automóveis usados. A maior parte dos negócios (mais de 90%) no mercado secundário são realizados em OTC (over-the-counter), em mercado não regulamentado, e o remanescente na bolsa (Euronext por exemplo). Tenho banca no mercado secundário e neste momento o bilhete de tesouro com maturidade a 12 meses está a cotar 3.8%. Os bilhetes do tesouro são financiamentos até 12 meses (curto prazo) e as Obrigações do tesouro (OT) são superiores a 1 ano. O Estado vai ao mercado no próximo dia 2 de Fevreiro com uma emissão de bilhetes do tesouro a 12 meses, pedir cerca de 750 milhões de euros. Sempre a financiar-se. Este ano precisa de 46 mil milhões de euros, 1/3 da dívida pública. Por último de referir que a cotação dos bilhetes do tesouro é muitíssimo mais volátil que a cotação das obrigações do tesouro devidos ao prazo (curto prazo e longo prazo).