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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A moeda e a política económica

Não restam dúvidas quanto ao sucesso da colocação da emissão de dívida pública no passado dia 12 de Janeiro, se o objectivo é ter financiamento para o Estado continuar a funcionar, sendo a taxa de colocação menos importante. Mas uma economia que não cresce terá, provavelmente, uma missão impossível para pagar juros de 7%. O sucesso é idêntico ao de colocar uma bala no tambor de uma pistola e jogar à roleta russa, um dia acaba o sucesso.

O euro é a única moeda a nível mundial que não usufrui de uma plena política económica. Tem uma política monetária centrada no Banco Central Europeu (BCE), mas quanto à política orçamental cada país tem a sua, para a moeda única ter o segundo pilar a funcionar, os orçamentos deveriam ser centralizados no Parlamento Europeu, e cada parlamento nacional teria que abdicar da elaboração do Orçamento do Estado. Gordon Brown advertiu Tony Blair dos entraves que podiam surgir com a adesão ao euro. Os EUA têm problemas de dívidas relevantes em alguns Estados (A Califórnia tem um rating de A-, dado pela S&P, idêntico à República portuguesa), mas existem vasos comunicantes que facilitam transferências de fundos entre Estados. No séc. XIX a Bélgica, França, Luxemburgo e Suíça partilharam a mesma moeda durante 30 anos, mas acabou por falhar por falta de uma política orçamental única. A Escandinávia também teve uma experiência idêntica com a Coroa. A crise da dívida soberana culminará numa espécie de federalismo europeu, união política? Esta crise pode ajudar a Europa a fortalecer-se. Aquilo que não nos mata torna-nos mais fortes.

Na Europa a política orçamental, por força das circunstâncias, é marcadamente contraccionista, ao contrário da política monetária. Austeridade para fazer face à consolidação das contas públicas trará mais recessão económica, mais desemprego, mais falências, menos consumo privado, menor arrecadação de impostos. É um ciclo vicioso, uma espiral negativa. Mais recessão que se traduzirá num agravamento da situação financeira e aumento da dívida pública. O ajuste tem que ser interno via corte da despesa e não aumento de imposto. Não se pode partir as pernas a uma pessoa e depois pedir para se levantar e caminhar.

A crise da dívida pública portuguesa foi despoletada mais cedo pela crise do subprime que surgiu em Agosto de 2007 e consequente crise financeira mundial. Portugal tem um problema estrutural: economia com um crescimento anémico e finanças públicas depauperadas, que não permitem à banca ir ao mercado de dívida desde Maio de 2010, reflectindo-se depois nas dificuldades em financiar a economia. Défices comerciais de 10% vão-se acumulando na dívida externa bruta de 250% do PIB, que Portugal tem que remunerar, mas os activos sobre o exterior pagam juros, rendas e lucros, logo a dívida externa líquida é inferior a 100%. O principal problema é das contas públicas, apesar das famílias e empresas se terem endividado significativamente na última década. Entrámos no Euro com um défice público baixo (menor que o espanhol), o elevado consumo interno e significativos gastos públicos contribuíam para um relevante crescimento do PIB e um “ilusório” baixo défice público em percentagem do PIB. A desorçamentação é a palavra-chave na última década. A descida do défice alcançada nos anos anteriores à crise de 2008 ficou a dever-se à transferência das despesas de capital para fora das contas públicas (mais tarde terão que ser pagas). Despesas essas que passam por parcerias público- privadas de auto-estradas, de empresas municipais e outras dívidas não escrituradas.

O FMI e o FEEF não cobram juros mais baixos. Trazem a garantia de financiamento, acabam com a incerteza e devolvem a liquidez aos bancos e aos mercados. O FMI só será chamado quando o governo português (e aprovado pela assembleia da República) não conseguir aceder ao mercado. A Irlanda na 1ª tranche do empréstimo está a pagar 5.5% para um prazo de 3 anos, precisamente a yield a 3 anos da dívida irlandesa no dia antes do FMI ser chamado.

Adenda de rodapé:
O Estado paga a 6% e os bancos remuneram depósitos a prazo a 1%? Sim, mas falamos de prazos diferentes. Um ano e 10 anos. Mas no entanto é verdade que o Estado a um ano pagou 5.3% em dezembro (bilhetes do tesouro). O Banco Santander paga 4% a um ano, com total liquidez e juros pagos mensalmente (O produto de poupança chama-se "ídolos", não sei se ainda está disponível, mas é só até 10.000 euros).
Pode comprar no mercado secundário. Os preços de venda dos leilões do Estado são quase sempre baseados nas cotações no mercado secundário. No aludido mercado secundário, em Dezembro, os bilhetes do tesouro cotaram perto dos 5.5%. Podia comprar quem quisesse...
O mercado primário, gerido pelo Instituto de Gestão de Crédito Público (IGCP), realiza os leilões e os intervenientes são intermediários financeiros autorizados pelo IGCP como operadores primários deste mercado, ou seja, as instituições a quem esteja atribuído o estatuto de Especialista em Bilhetes do Tesouro.Clientes particulares poderão ir no mercado primário através dos operadores especialistas. O mercado primário, por analogia, é como o mercado de automóveis novos. Passado 3 dias após a liquidação esses bilhetes do tesouro passam para o mercado secundário, é o mercado de automóveis usados. A maior parte dos negócios (mais de 90%) no mercado secundário são realizados em OTC (over-the-counter), em mercado não regulamentado, e o remanescente na bolsa (Euronext por exemplo). Tenho banca no mercado secundário e neste momento o bilhete de tesouro com maturidade a 12 meses está a cotar 3.8%. Os bilhetes do tesouro são financiamentos até 12 meses (curto prazo) e as Obrigações do tesouro (OT) são superiores a 1 ano. O Estado vai ao mercado no próximo dia 2 de Fevreiro com uma emissão de bilhetes do tesouro a 12 meses, pedir cerca de 750 milhões de euros. Sempre a financiar-se. Este ano precisa de 46 mil milhões de euros, 1/3 da dívida pública. Por último de referir que a cotação dos bilhetes do tesouro é muitíssimo mais volátil que a cotação das obrigações do tesouro devidos ao prazo (curto prazo e longo prazo).

Paulo Monteiro Rosa, economista, 16 de Janeiro 2011.      

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A emissão de dívida pública realizada no dia 12 Janeiro 2011 e a Zona monetária do Euro.

O melhor de dois mundos é sempre difícil. Défices comerciais e públicos constantes, mais cedo ou mais tarde são corrigidos. As taxas de juro efectivas – “yield”- das obrigações do tesouro português (OT) estão ligadas à execução orçamental e à percepção que os investidores têm da capacidade de Portugal honrar as suas dívidas – este facto passa pelo crescimento económico. É provavelmente insustentável, sem crescimentos económicos na casa dos 4%, realizar várias emissões à volta dos 7% que fazem subir o preço médio do juro de toda a dívida pública.

As emissões de dívida pública realizadas ontem ficaram em linha com as cotações dessas séries no mercado secundário. A emissão com maturidade no dia 15 de Junho de 2020, uma reabertura e não uma nova série, colocou 599 milhões € ao preço de 86.91% e uma “yield” de 6.71%, arrecadando o Estado 520 milhões €. Em Agosto tinha pago 96.15% com uma “yield” de 5.31%. A série tem já neste momento um montante 8551 milhões € para ser pago na maturidade e o cupão pago anualmente é de 4.8%. Há um diferimento, cada vez maior, do pagamento de uma parte do juro para 2020, devido ao crescente diferencial entre o cupão a pagar anualmente e a “Yield” apurada em cada leilão. As contas públicas de 2011 e próximos anos não são prejudicadas porque a taxa é de 4.8%. A factura virá em 2020.

Uma Zona Monetária necessita de uma política económica capaz, espelhada nos dois pilares: política monetária e orçamental. A Zona Euro possui uma política monetária através do Banco Central Europeu desde 1 de Janeiro de 1999 e os bancos centrais nacionais têm o papel de reguladores e supervisores da actividade financeira doméstica. A política orçamental é detida pelos governos nacionais, no entanto alguns provavelmente já transferiram parte da sua liberdade para o EuroGrupo. Na fundação do Euro ficaram lavrados alguns pontos importantes, como o limite do défice 3% do PIB e da dívida pública 60% do PIB, mas os governos nacionais têm os seus projectos, agendas políticas, calendários eleitorais. Há aqui desencontros de políticas orçamentais que influenciam a cotação da moeda subjacente, o Euro. Se cada país tivesse a sua própria moeda o ajuste seria via taxa de câmbio e défices excessivos seriam corrigidos com a desvalorização da moeda local. Com uma moeda única, o ajuste será via taxa de juro e os países onde são percepcionados desequilíbrios orçamentais pagarão mais pelos seus empréstimos. O mercado chegou à conclusão de que o Euro necessita dos dois pilares e como a política orçamental está a falhar - cada país tem contas públicas diferentes – a moeda pode ressentir-se. O euro é a única moeda a nível mundial que não tem uma plena política económica.

As “yields” de curto prazo subiram mais de 500% num ano e aproximam-se das de longo prazo que progrediram cerca de 50%. Sinal da incerteza que existe no curto prazo quanto à evolução da economia portuguesa e o alisar do declive da curva de rendimentos é a prova cabal de uma perspectiva de recessão económica por parte dos mercados.

Os investidores olham para a Zona Euro como se ela fosse um tabuleiro de Xadrez. Vai caindo um peão de cada vez, a Grécia, a Irlanda. Problema é se cai um Bispo, ou seja a Espanha. Haverá um “xeque ao Rei”, ou seja à Alemanha, por descrença na união monetária e volta tudo ao início do jogo agora com diferentes tabuleiros. O marco alemão representava 17% das reservas mundiais em 1999, contra 70% do dólar. Hoje o euro representa quase 30% e o dólar 60%. Hipotéticas obrigações do tesouro europeu seriam uma solução provavelmente viável para a consolidação da Zona Euro, mas os países setentrionais querem ver regras mais apertadas perante esse cenário e o óptimo possivelmente passa por um orçamento europeu.

Paulo Rosa, economista, 13 de Janeiro 2011.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Medidas tomadas pelo Governo no dia 29 Setembro 2010

A transferência para o Estado do fundo de pensões da PTC, de 2600 milhões de euros do fundo, corresponde a 1.6% do PIB, foi a solução para alcançar a meta dos 7.3% de dívida que Portugal se comprometeu a cumprir em 2010, ainda ontem corria o rumor de que poderia ser colmatado com um imposto sobre o 13º mês. Se adicionarmos aos 7.3% a o valor do fundo pensões de 1.6%, constata-se que a execução orçamental iria levar a um défice de 8.8% do PIB em 2010. O que nos leva à conclusão de que o governo não tinha as contas públicas sobre controle e retira credibilidade às fortes medidas de austeridade tomadas no dia de ontem.

Em primeiro lugar terá que existir viabilização do orçamento do Estado em Outubro, e tudo leva a crer que muito provavelmente será aprovado após algumas negociações entre os principais partidos portugueses, no entanto os investidores estarão a pensar se Portugal é capaz de executar aquilo que orçamenta.

Em segundo lugar é preciso salientar que a dívida pública continua a aumentar, existe redução do défice, mas o facto é que continuam a existir défices que serão acrescidos à dívida pública no final de cada ano e as privatizações previstas não chegam a 4% do PIB, logo não será por aqui que a dívida irá descer.

Os investidores estão com os olhos colocados na dívida pública e qual a margem que ela tem para baixar. Só com crescimento económico sustentado poderemos ter uma redução da dívida via aumento das receitas fiscais, mas o crescimento mantêm-se endémico nos últimos 10 anos.

As transferências de fundos (como da CGD, dos CTT), o fundo de pensões da PTelecom, as parcerias público-privadas, são responsabilidades que são diferidas no tempo. Veremos qual o seu impacto na dívida pública daqui a 5 ou 10 anos.

Poderemos ter alguma descida nas yields das OT portuguesas, mas para a casa dos 3.8%, 4%, muito provavelmente só quando os investidores percepcionarem que Portugal tem capacidade para honrar os seus compromissos no que concerne à sua dívida pública.

Paulo Monteiro Rosa, economista, 30 Setembro de 2010.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Maior procura de Call Warrants significa que a acção vai subir?

Os warrants são valores mobiliários (como as acções, as obrigações) emitidos por instituições financeiras com a particularidade de, por um lado, de serem derivados, (derivam de outro activo, que apelidamos de subjacente); por outro, conferem ao seu detentor o direito a subscrever determinado título, no futuro.
São muito semelhantes às opções (de compra ou de venda), com a diferença de, nos warrants, ser o emitente a fixar as condições. Como os parâmetros são fixados pelo emitente, diz-se que os warrants são contratos de adesão. Tal como num bilhete de autocarro – quem o comprar não pode discutir as condições da viagem. Quem aposta na subida de uma acção compra call warrant ou warrant de compra. Quem acreditar no contrário, põe-se comprador de put warrant ou warrant de venda. O contrato de warrant pode ser exercido continuamente - warrants americanos - ou em momentos determinados no tempo - warrants europeus.
No início do ano na Euronext Lisbon, os investidores compraram maior quantidade de “call warrants” tanto na Jerónimo Martins como no BCP. É um indício de que o mercado está optimista quando à evolução destes títulos nos próximos meses. No caso da JM, que subiu 72% em 2009 e ganha 0,5% em 2010, os investidores apostam que o papel vai manter-se positivo, capitalizando as suas receitas na Polónia. No BCP, talvez entendam que as cotações actuais já descontam um cenário negativo para o banco.
Em sentido inverso, a Galp Energia lidera a quantidade de “put warrants”. Quer dizer que os investidores apostam na queda da acção? A Galp subiu 50% em 2009 e está a perder 4% desde Janeiro. É uma aposta na queda, sim, mas e o facto de o petróleo estar nos máximos do último ano e meio não nos levaria a pensar o contrário? Há que ser cauteloso nas conclusões que retiramos dos warrants. O facto de serem pouco negociados sugere cautela na leitura dos sinais que nos dão. Na semana passada, por exemplo, praticamente ninguém esteve a negociar warrants.
Em suma, os warrants dão-nos sinais sobre a expectativa dos investidores, mas o seu fraco volume negociado dá-nos sinais de apenas uma minoria de investidores. Em termos empíricos, se este fosse um mercado com grande expressividade, não haveria dúvidas. Os warrants deveriam traduzir a aposta dos investidores para o caminho a seguir. É por o mercado ser assim que não estamos todos ricos!

Publicado no Diário Económico, 23 Fevereiro 2010, página 38 e 39:

Paulo Monteiro Rosa, 23 de Fevereiro 2010
http://economico.sapo.pt/public/uploads/epaper/DE_20100223.pdf

Os Bancos Centrais e a liquidez nos mercados financeiros.

As Funções de um banco central passam por implementar a política monetária através do controlo da massa monetária, gestão das reservas monetárias (ouro e divisas), regular e supervisionar o sector bancário, estabelecer as taxas de juro de referência e, por vezes, a taxa de câmbio, controlar a inflação e promover o crescimento económico. O BCE está mais centrado na estabilidade de preços (taxa de inflação à volta dos 2%), a Reserva Federal dos EUA mais focalizada no crescimento económico e o Banco de Portugal está limitado à crucial tarefa de regulação e supervisão do sistema bancário. Os bancos necessitam de manter uma certa percentagem dos seus activos como capital, percentagem essa geralmente definida pelo banco central e de acordo com o Bank for International Settlements (BIS). O limite mínimo é uma percentagem, com base no novo acordo de Basileia, dos activos ajustados pelo risco. O outro poder significativo do banco central é estabelecer os requisitos de reservas do sistema bancário. Ao exigir que uma determinada percentagem do passivo seja detida como depósitos junto do banco central, isto diminui o efeito multiplicador do sistema bancário e permite controlar o crescimento da massa monetária. O principal objectivo de manter uma percentagem do passivo como activos fortemente líquidos é evitar “bank runs” – corrida aos depósitos por parte dos clientes - onde o banco teria dificuldade em responder no curto prazo a pedidos de levantamento de depósitos. A reserva legal da Fed tem em conta os montantes depositados e os prazos. Para montantes inferiores a 10.7 milhões de dólares (USD) a reserva legal é de 0%, entre 10.7 e 55.2 milhões de USD a reserva legal é de 3%, para montantes superiores a 55.2 a reserva é de 10%. Para depósito à ordem ou a prazo igual ou inferior a 2 anos a reserva legal é de 10%, para depósitos que não podem ser mobilizados com facilidade a taxa de reserva legal é de 0%. O BCE para responsabilidades com prazo igual ou inferior a 2 anos estão sujeitas ao coeficiente de 2%, sendo 0% para os restantes. Activos com muita liquidez têm que ter uma reserva mínima maior do que activos menos líquidos, como a quase-moeda que tem entraves à mobilização. O Banco Central da China utiliza a reserva legal como um dos principais instrumentos de política monetária, alterando a percentagem várias vezes ao ano, a última foi no início de Dezembro, e subiu em 0.5 ponto percentual para 18.5%.

A massa monetária é definida por agregados. O M1 representa uma pequena parte da massa monetária, moeda em circulação (notas de bancos e moedas) emitidas pelo BCE acrescidos dos pagamentos que se efectuam com cartões de débito, cheques - debitam uma conta à ordem e que não chega a ser dinheiro físico, transfere-se de um banco para outro. O M2 é o mais importante, pelo facto de representar a grande fatia da massa monetária e é o M1 acrescido dos depósitos a prazo (estes são considerados quase-moeda porque não estão automaticamente disponíveis). Nesta fase os bancos comerciais, os grandes criadores de moeda, trabalham através da concessão de crédito. Se houver um depósito no banco de 1000 € e a taxa de reserva mínima for de 10%, o banco pode emprestar 900€ e manter junto do banco central 100€. Quem obter este empréstimo vai pagar a alguém que irá depositar os 900€ em determinado banco, agora este banco pode emprestar 810€. A seguir 729€ e assim sucessivamente. Com uma taxa de 10% de reserva legal um banco comercial no limite consegue criar mais 9.000 €, alavanca 10 vezes, tem um efeito multiplicador de 10. Por último temos o agregado total (M3) que inclui o M2 acrescido dos créditos de curto prazo e de maior liquidez concedidos aos Estados, são eles bilhetes do tesouro e obrigações do tesouro com prazo inferior a 2 anos. A massa monetária, em termos de M3, não deixa de ser um conceito abstracto, porque se poderia considerar só os créditos inferiores a 1 ano ou superior a 2 anos, ou considerar outros créditos.

A criação de moeda na zona euro andou acima dos 10% antes da crise financeira, o limite máximo que o BCE tem como adequado é de 8%, neste momento apesar das massivas injecções de capital por parte do BCE, o crescimento do M3 está nos 2%, porque há pouca criação de moeda por parte da banca comercial que continuam relutantes em emprestar dinheiro. O M3 cai para níveis muito baixos e a inflação que está correlacionada positivamente tem descido também, chegando em muitos países a registar-se deflação em 2009, como é o caso de Portugal, ajudado também pela queda do preço do petróleo – gráfico 1. A massa monetária está umbilicalmente relacionada com a inflação e de acordo com a teoria quantitativa da moeda traduzida pela equação: O produto da massa monetária pela sua velocidade de circulação é igual ao produto dos preços pelo volume de bens e serviços produzidos numa economia (MV=PT). Se a massa monetária aumenta um pouco e a velocidade se mantiver constante, como houve uma quebra na produção de bens e serviços devido à crise económica com a contracção do PIB na grande maioria dos países ocidentais, para equilibrar a equação teremos uma inflação muito baixa ou negativa (deflação em 2009). A inflação nestes momentos é muito influenciada também pelo desemprego. Como existe muito desemprego a inflação cai, porque existe uma correlação negativa entre estas duas variáveis macroeconómicas que é demonstrada pela curva de Philips, se existe mais desemprego, menos rendimento disponível, menos consumo e menor pressão sobre os preços e a inflação tende a refrear.

O multiplicador monetário é uma chave importante na política monetária, espelhada na criação de moeda pelos bancos comerciais. Se os bancos não tiverem excesso de reservas não haverá problemas, porque o Banco Central consegue controlar facilmente a criação de moeda por parte da banca comercial - existe uma relação directa e fixa. Mas se os bancos acumularem excessos de reservas, como ocorre aquando das crises financeiras, a grande depressão e a presente crise (2008-2010) na qual essa relação é quebrada e o Banco Central pode forçar a oferta monetária a contrair-se, mas não consegue que ela cresça, porque os bancos não emprestam com receio que não consiga mais reaver o dinheiro, há preferência pela liquidez. Também as famílias não consomem, a não ser bens de primeira necessidade, com o objectivo de comprar mais barato no futuro. As empresas não investem com receio de não venderem os produtos e porque a banca tem parâmetros mais restritivos na concessão de crédito. É a preferência pela liquidez, que estagna o sistema financeiro e por arrasto a economia. O Japão tem esta experiência há quase 15 anos. É a armadilha da liquidez de John Maynard Keynes.





















Fonte gráfico: Bloomberg
Paulo Monteiro Rosa, economista, Dezembro 2010.

Nihil novi: O Panzer Germânico, o Tigre Celta e o Puro Lusitano.

Os investidores por vezes são irracionais? Não. Desde a fundação do euro até 2008, os investidores valorizavam de modo quase idêntico a dívida pública alemã e a de outros países como Portugal. Por partilharem a mesma moeda consideravam igual o risco, menosprezando as diferentes variáveis macroeconómicas. Mas a principal variável, que veio baralhar e elucidar os investidores, surge em 2008 e refere-se à percepção de reversão no processo de integração europeu.
A Alemanha apresenta os melhores dados económicos dos últimos 19 anos ao nível do desemprego, crescimento económico e confiança empresarial, medida pelo instituto económico IFO. É credor externo líquido e tem a dívida pública controlada. A moderação salarial manteve a competitividade e o peso da indústria quase idêntico aos serviços, permite há muitos anos ser o maior exportador mundial de bens, com cerca de um bilião de euros (25% do PIB), só alcançada pela China o ano passado e ultrapassada pelos EUA quando se trata da exportação de bens e serviços. A diversificação e transversalidade dos produtos alemães justificam esta hegemonia, desde a indústria automóvel (Daimler, BMW, Volkswagen, Porsche), indústria pesada (Siemens, TyssenKrupp), passando pela indústria farmacêutica (Bayer). A Alemanha tem sempre força suplementar para “renascer das cinzas”. Após a reunificação em 1991. Depois da 2ª grande guerra a Alemanha e com a ajuda do Plano Marshall (o mundo não iria cometer o erro da 1ª Guerra. As indemnizações a pagar aos países destruídos levou a um endividamento colossal, uma hiperinflação e falência do país). Muitos factores estarão na origem desta propensão para o trabalho organizado e para criação de riqueza na Alemanha e países que a rodeiam, como a Áustria, Suíça, Holanda, Escandinávia, um dos fundamentais passa pelo luteranismo implementado no século XVI que incentivava as pessoas a ler a Bíblia e levou à alfabetização da população. Pessoas letradas é sinónimo de conhecimento, impulsiona o progresso de uma sociedade ao nível económico, social e cultural.

A educação, a saúde e a redistribuição do rendimento são pilares fundamentais para o progresso de uma sociedade que o conduzem a um país mais competitivo, chave do crescimento económico. Portugal peca por defeito em todas estas frentes. A democratização da educação surge na década de 80, no entanto há licenciaturas a mais em certas áreas e défice noutras. A saúde é um sector que ombreia com a Europa setentrional há muitas décadas, mas podia aspirar à excelência se não fossem os entraves corporativistas. A redistribuição do rendimento fica aquém dos padrões europeus, com um coeficiente de Gini de 40, a Europa central e do norte posiciona-se no intervalo 25 a 30 e os países da América Latina têm acima dos 50. O indicador de Gini mede a desigualdade na distribuição do rendimento, quanto mais alto maior a desigualdade (se for 100 uma pessoa possui toda a riqueza do país, se for 1 todos os habitantes auferem rendimentos iguais). A crise financeira internacional só veio amadurecer a crise do endividamento, a economia não cresce há 10 anos e o endividamento no mesmo período teve uma subida extraordinária – Gráfico 1. Desde 1974 só há registo de défices públicos. Os primeiros fazem sentido, existia folga, a dívida pública era de 15% do PIB (a dívida não é má, tudo depende do esforço para honrar essa dívida e a sua utilização criteriosa). Não existe progresso sem boas vias de comunicação e as IP (Itinerário Principal), poderiam ter sido auto-estradas, estávamos bastante abaixo dos rácios que põe em causa os compromisso com os credores. Teríamos poupado o país e muitas famílias do flagelo e dos avultados prejuízos em face dos inúmeros acidentes nas IP.

A República da Irlanda tem uma bolha imobiliária que precisa ser corrigida e um sector financeiro que necessita ser capitalizado sob pena de falir. Tem um problema conjuntural, financeiro, provocado pelo nocaute dos “activos tóxicos” norte-americanos. Para impedir a falência do Irish Bank foram injectados pelo governo irlandês 35 mil milhões de euros, mais de 25% do PIB irlandês (a banca portuguesa vale menos de 1/3). O sector financeiro irlandês é gigantesco, a Irlanda tem uma dívida externa bruta de 1000% do PIB. Mas o Tigre Celta não tem os fundamentos económicos tão depauperados quando analisados à lupa. Teve superavit das contas públicas de 2004 a 2008. Em 2008 a dívida pública era de 35% do PIB, este ano será de cerca de 90%, uma subida extraordinária consequência do resgate da banca irlandesa. Passou em poucos anos de um rendimento 105% da média europeia para quase 150%. Índice de Gini de 30. As grandes empresas americanas têm a sua sede na Irlanda. A estrutura dos sectores de actividade é semelhante à alemã, chinesa e japonesa, países exportadores por excelência. Agricultura 5%, indústria 45% e serviços 50%. Na Espanha, Itália, Grécia e Portugal é de cerca de 75% o peso dos serviços.

A Irlanda tem um problema conjuntural, enquanto Portugal tem um problema estrutural. A dívida externa bruta irlandesa é 1000% do PIB, a portuguesa é de 250% do PIB. O facto de ser tão elevada na Irlanda prende-se com o elevado peso do sector financeiro. Por exemplo se um estrangeiro fizer um depósito num banco irlandês fica com um crédito sobre a Irlanda, no entanto os bancos depois aplicam esse dinheiro através de empréstimos, compra de activos, a maior parte no estrangeiro e ficam credores sobre o exterior. O fundamental é saber a dívida externa líquida. Num balanço de uma empresa, o activo (activos sobre o estrangeiro, dos quais se recebe juros, rendas e lucros), o passivo (o que se deve ao estrangeiro, a dívida externa bruta sobre a qual pagamos juros, dividendos e rendas) e a situação líquida ou capitais próprios (dívida externa líquida ou crédito externo líquido). A dívida externa luxemburguesa representa 4000% do PIB, quase 2 biliões de euros, 13 vezes o PIB português, mas em termos líquidos é um país credor, justificação para a riqueza do Luxemburgo. A Suíça é semelhante, tem uma dívida externa bruta de 400% do PIB, mas em termos líquidos é credor em quase 100% do PIB. Estes países têm ratings de crédito AAA e estáveis. O Japão é credor líquido externo, mas tem uma dívida pública das mais elevadas do mundo, 200% do PIB (os gastos públicos são elevados para compensar a falta de consumo das famílias e investimento empresas,) apesar de detida por residentes tem um rating de crédito de AA-. A perda de competitividade da economia portuguesa é o calcanhar de Aquiles e é mais grave que a dívida que acumulámos, porque sem competitividade não se cresce, não se paga a dívida. A nossa dívida externa bruta é de 250% do PIB, em termos líquidos é de cerca de 100%. Se por absurdo algumas das pessoas mais ricas do mundo (Bill Gates, Warren Buffet, Carlos Slim) passassem a residir em Portugal a nossa dívida externa em termos contabilísticos desaparecia e passávamos a credores líquidos, no entanto o nosso problema de competitividade não estava resolvido, mas provavelmente se criariam condições para a melhoria da nossa produtividade. Uma dívida líquida ligeiramente superior à irlandesa, com uma dívida pública e um défice público mais controlado que o irlandês, pode-se afirmar que Portugal em termos financeiros está melhor que a Irlanda, mas a economia irlandesa está a passar por um problema conjuntural, mantêm a taxa de IRC nos 12.5% e poderá alcançar um crescimento económico em 2012 já acima de 2%. Quando é que Portugal irá crescer acima dos 2%? Provavelmente Portugal trocaria o seu lugar com a Irlanda.

Paulo Rosa, economista, Dezembro 2010.

O perfume irresistível do ouro continuará a impulsionar a sua cotação? O ouro não gera renda, no entanto é um erro ir contra o mercado.

O que motiva esta atracção? É raro, é bonito aos olhos do Homem desde os primórdios da História e se a Terra fosse toda feita de ouro o Homem se mataria por um punhado de lama. O total de ouro extraído desde o início da humanidade, 65% desde 1950, está estimado em 158 mil toneladas, 8500 m3, um campo de futebol coberto de ouro com 1 metro de altura. As reservas dos bancos centrais detêm 20%, a Joalharia - sujeita a uma taxa de IVA de 21% - representa 50%, a indústria electrónica e cirurgia dentária 11% e o remanescente 19% é ouro destinado ao investimento através da compra física - isento de IVA, as mais-valias não pagam imposto, mas com custo de guarda num cofre bancário - ou plataformas de instituições financeiras que permitem a compra e venda de ouro, risco cambial só na mais ou menos-valia, sem custos de guarda, abertura de posições vendedoras e alavancagens de 50 ou mais vezes – com 1000€, 1 onça troy (31,103481 gramas), poderá adquirir 50.000€ de ouro, 1.5Kg.

Factores que impulsionam o mercado do ouro: A) A emissão de dinheiro pelos bancos centrais com o objectivo de superar a crise económica se não for monitorizada culminará numa espiral inflacionista. B) As moedas estão associadas a países e estes têm hoje elevadas dívidas. O ouro não tem pátria, logo não tem passivo. É um escudo contra a bancarrota do sistema financeiro. Tornar-se-á novamente dinheiro? É improvável. Desde o aparecimento da moeda fiduciária a sua posição foi relegada para activo de refúgio. Desempenhou um papel fulcral no sistema financeiro internacional até 1973 (colapso do sistema de Bretton Woods). Hoje o ouro é apenas mais uma opção de investimento. C) Protecção contra a inflação. Confiança que o ouro não perderá valor ao contrário do dinheiro. D) O crescimento económico é sinónimo de maior procura de objectos em ouro. E) O preço do ouro tende a baixar com a subida do USD, porque o ouro é tradicionalmente uma alternativa à moeda americana e também como é negociado em USD, se esta moeda depreciar os investidores pedem mais pelo ouro. F) O ouro não paga juros, logo se as taxas de juro forem baixas o custo de oportunidade do investimento em ouro é menor e aumenta a procura. G) A produção tem aumentado e os Bancos Centrais são actores determinantes. H) Na crise vão-se os anéis e ficam os dedos o que aumenta o negócio do ouro.

O “Acordo dos Bancos Centrais sobre o Ouro” assinado pelo BCE e por 14 Bancos Centrais Nacionais, entre os quais o Banco de Portugal (BdP), em 1999 e com validade até 2004, tinha como objectivo a alteração da composição das reservas externas em grande parte constituídas por ouro, característica dos bancos centrais ocidentais – quadro 1. Como o ouro não gera renda, tem subjacente apenas os ganhos de capital, reflectidos pela lei da oferta e da procura, a sua alienação e a aquisição de Obrigações do Tesouro (OT) no intuito de obter uma remuneração e a descrença de que uma valorização extraordinária do ouro seria ajustada pelo aumento da oferta, pesaram na decisão do BCE. O BdP na perspectiva de uma futura redução da rubrica do ouro nas reservas, negociou em 1997 e 1998 opções de venda de ouro com datas de exercício a partir do final de 2002 e vendeu 224 toneladas de ouro, entre 2002 e 2006, ao preço médio ponderado de 423 USD/Onça, 355 EUR/Onça – quadro 2. Hoje o metal amarelo cota nos 1375 USD/Onça e os ganhos de capital mais que compensam as remunerações das OT (com um cupão de 4% os 355€ valeriam hoje cerca de 453€, como a onça cota nos 1034€, o BdP deixou de “ganhar” 4,2 mil milhões de euros, 2.5% do PIB, caso vendesse hoje). O futuro é imprevisível e ter em carteira um activo que não gera renda é arriscado (o ouro registou uma queda superior a 50% desde início da década de 80 até finais da década 90). Os erros só existem perante factos e não ante decisões tomadas no presente. O tempo dita se uma decisão é acertada, mas nunca se foi um erro. Qual será a cotação do ouro daqui a 5 anos? À posteriori é fácil. As vendas pararam em Setembro de 2006, após alguma diversificação das reservas e pela evidência da força do mercado que se tornou um facto, sendo um erro ir contra o mercado. O ouro detido pelo BdP representa 8% do PIB, daria para colmatar o défice público de 2010, mas o problema persistiria em 2011 com o défice de 4.6%. Reduziria a dívida pública para cerca de 75%, mas os juros pesam mais de 4% do PIB. Desiludam-se aqueles que pensam que o ouro do BdP é ou foi na última década solução para a nossa crise estrutural.

Hoje 100 gramas de ouro representarão 100 gramas de ouro daqui a 10 anos. Hoje 100 acções serão daqui a 10 anos 100 acções mais os dividendos pagos e aplicados na aquisição de mais acções e podem ser por exemplo 150 acções. Um retorno total: remuneração do activo e ganhos de capital – perspectivas para a empresa, resultados não distribuídos aos accionistas e reinvestidos na empresa. Dois dos principais índices accionistas mundiais quando analisados com base no retorno total, o S&p500 e o EuroStoxx50, mostram um melhor desempenho nos últimos 18 anos do que a cotação do ouro – gráfico 1. Na última década há uma lateralização das acções e uma subida exponencial do ouro. No longo prazo, 20, 50, 100 anos, a história mostra que existem melhores activos que o ouro, como é o caso das acções. O ouro é por excelência um activo de refúgio perante a incerteza que é efémera.

Na indústria electrónica a condutividade do ouro, com fios de calibre reduzido, permitem que circuitos infinitamente pequenos funcionem na perfeição. Esta indústria é a única remunerada através do lucro, é um input para um produto, a par da medicina dentária e da joalharia. A febre do ouro é a Oriente à medida que países como a índia vão adquirindo maior poder financeiro e compra de mais ouro para fins de joalharia por motivos culturais. O consumo anual de ouro aplicado na joalharia é dominado pela Ásia em 43% e pelo Médio Oriente em 13%. A Índia com 21%, seguida da China com 8% e do Japão com 3%. As notícias na Índia, China, Japão e Coreia do Sul dão conta da corrida ao ouro físico por parte dos investidores que acreditam que «o ouro é sensível à geopolítica e aos crashs bolsistas». É um termómetro - quanto mais aquece a geopolítica mais sobe e se afirma como valor de refúgio. A China quer decuplicar as suas reservas de ouro até 2020 e reduzir a exposição dos activos chineses ao USD e a outras moedas, objectivo incompatível com a manutenção da competitividade das suas exportações. Os EUA compram mais de 25% dos produtos chineses.

“Ouro, um valor seguro”, é slogan em todos os média, no panfleto do pára-brisas, o número de lojas cresce a um ritmo exponencial, surgem franchisings, na rua todas as pessoas sabem a cotação do ouro e continuam a entrar no mercado certas de lucros extraordinários. A hora para evitar posições de compra está cada vez mais perto, mas ainda não deixou de ser “um chão que dá uvas” porque a tendência é de alta e é um erro ir contra o mercado. As dotcom são um exemplo paradigmático, utilizavam o multiplicador comparativo em detrimento dos cash flows, porém quem abandonou o mercado na subida deixou de ganhar. A febre do ouro continuará? A análise técnica do gráfico da cotação do ouro é a ferramenta fundamental. Estar alerta a todos os sinais é um meio para evitar uma atracção fatal.





















Fonte: Bloomberg

Paulo Rosa, economista, Novembro 2010

Hegemonia do dólar. Até quando?

O que está por detrás da valorização de uma moeda? Necessidade nos pagamentos das trocas internacionais, política cambial de um país, reserva de valor, cobertura de risco, aumento da procura pelos bancos centrais, investidores, especuladores e outros intervenientes nos mercados. Em economia, a Lei da Oferta e da Procura estabelece a relação entre a procura de um bem, serviço, moeda e a quantidade que é oferecida. Uma moeda vale mais quanto maior for a sua procura. A hegemonia de uma moeda, para além dos factores anteriores, pauta-se pela elevada liquidez e influência a nível mundial. O dólar americano é, por excelência, uma moeda de referência há mais de cem anos nas trocas internacionais em qualquer parte do mundo, assim como o inglês é a língua de entendimento entre os povos. Uma tribo no lugar mais recôndito de África ou na Papuásia pode não ter conhecimento de nenhuma língua ou moeda da civilização, mas se tiver essa língua será o inglês e a moeda o dólar. Este ganhou maior relevo a partir da 2ª guerra mundial com a conferência de Bretton Woods, cidade americana que deu nome ao acordo que estabeleceu o novo sistema monetário mundial, segundo o qual cada país deveria adoptar uma política monetária que mantivesse a taxa de câmbio da sua moeda dentro de um determinado valor indexado ao dólar, e este estaria fixo ao ouro numa base de 35 dólares por onça Troy, foi criado o FMI para suportar dificuldades temporárias de pagamento. Défices comerciais no final da década de 60 e emissão de mais moeda para lhes fazer face - passaram a existir mais dólares do que reservas de ouro – culminou em pressões crescentes na procura global por ouro. Em 1971 os EUA, que já tinham perdido quase metade das suas reservas de ouro desde 1944, suspenderam unilateralmente a conversão do dólar em ouro.

Os EUA emergem da 2ª guerra como super-potência, quase incólumes à sua destruição, com um rápido crescimento industrial, forte acumulação de capital, poderosa indústria manufactureira, enriquecendo através da venda de armas e empréstimos aos outros combatentes. Acumularam superávites durante quase 30 anos, com uma economia assente nas exportações. A partir de finais dos anos 60, meados da década de 70, surgem os primeiros défices comerciais, o consumo interno passa a ser a variável com maior peso no PIB, mas a “dolarização” da economia mundial é cada vez mais popular. Em 1990 o dólar correspondia a 60% das reservas mundiais, mais de 70% no início do novo milénio e de acordo com o gráfico1 nos últimos 10 anos perdeu 10 pontos percentuais para o euro e actualmente dólar e euro equivalem a 90% das reservas mundiais - 62% para o dólar e 28% para o euro. As relações comerciais a nível mundial eram realizadas 89% em dólares no início do novo milénio, hoje representam cerca de 86%.

No entanto a crescente procura de euros é mais um desejo de diversificação das reservas do que mérito da Europa, porque o crescimento económico permanece débil em comparação com os EUA. O euro é uma moeda comum a grande parte dos países da União Europeia que pouco têm a ver entre si. Uma manta de retalhos de países, quer pela cultura e costumes quer pela sua disciplina económica e finanças públicas, polarizados em duas regiões a setentrional e a meridional. Um Tesouro Europeu, com obrigações do tesouro do euro em detrimento de obrigações do tesouro de cada país, se fosse posto em prática com alguma relutância da Alemanha, provavelmente não seria suficiente. Uma maior integração, quiçá política, traria maior conforto e aceitação. Neste momento o euro está a ser posto à prova com a crise das finanças públicas gregas e não terá um futuro muito risonho se não forem tomadas medidas de maior integração, sob pena de por em causa a existência do euro, apesar de ser quase impossível as populações quererem ir nesse sentido. Nenhuma moeda sobrevive muito tempo se não tiver os mesmos fundamentais macroeconómicos no seu espaço, e o pacto de estabilidade exigido pela Alemanha aquando da criação da moeda única, de inflação em torno dos 2%, dívida de cada país membro abaixo dos 60% do PIB e défice público menor que 3% do PIB no longo prazo provavelmente não chega. Também a Europa se encontra bastante endividada. O crédito interno, total de crédito concedido pelos bancos às empresas, famílias – habitação, consumo e outros fins - e às administrações públicas, no Japão, Espanha, Reino Unido, Portugal corresponde a cerca de 220% do PIB, mesmo na Alemanha, França, Itália e Suécia é 150%, nos EUA e China é 110%. Poderá o euro destronar o dólar? É mais forte a remota possibilidade de desaparecimento do euro do que a remota probabilidade do euro se tornar a principal moeda de reserva. O mais provável é que daqui a 20, caso a Zona Euro consiga ultrapassar cabalmente as suas debilidades, o euro seja uma moeda de reserva da mesma dimensão do dólar.

Em termos técnicos uma moeda é tanto mais hegemónica quanto mais apertado é a diferença entre a sua compra e venda, traduzindo-se em liquidez mais elevada. Uma moeda pode ser forte em todo o globo, caso exclusivo do dólar, aceite em qualquer parte do mundo, substituindo por vezes a moeda local, servindo não só para entesourar, mas usada nas trocas em detrimento da moeda nativa. Diversos factores explicativos: mercadorias denominadas em dólares (crude, ouro e outro metais preciosos, produtos agrícolas), presença militar dos EUA em muitas partes do mundo, pois têm o exército mais poderoso e isso quer se queira quer não é factor de sustentabilidade para o dólar. Por exemplo o médio oriente, onde países – Kuwait, Arábia Saudita, EAU, Israel - se sentem protegidos pela presença do exército dos EUA como garante da estabilidade da região. Também por ser a maior economia mundial detendo 25% do PIB como se observa no quadro3. A dimensão e população do país que não se antevê que diminua, por exemplo a hegemonia da libra manteve-se enquanto existiu o império britânico. Há moedas que são hegemónicas nas suas zonas geográficas de influência, a extinta peseta era uma moeda sem expressão em qualquer parte do mundo, mas na península ibérica rivalizava com o dólar, pois era aceite com facilidade em Portugal, o diferencial entre a compra e a venda de pesetas em Portugal era mais apertado do que em qualquer outra parte do mundo, sendo a liquidez considerável e para os portugueses uma moeda de referência a par do velho marco alemão e do dólar.
A China, maior detentor de reservas do mundo (quadro1 e 2), compra dólares para manter o yuan subvalorizado e garantir a sua competitividade. Estima-se que mais de 60% das suas reservas sejam dólares (cerca de 1.5 biliões de dólares) no entanto a China está a diversificar o seu portefólio. Em 20 de Julho de 2005 após 7 anos de paridade administrativa 1dólar/8.27 yuan, a China libertou a moeda e no dia seguinte o yuan tinha valorizado 2%. Desde Julho 2008 1dólar vale 6,83 yuan, mas se fosse o mercado a ditar provavelmente a paridade seria próximo 1dólar/3,5 yuan, uma valorização de 100%, mas poria em causa as exportações chinesas que representam quase 30% do PIB e o investimento 40% (quadro4). Os dólares em carteira como não são remunerados, a China compra obrigações do tesouro americano, activos relativamente seguros e assim recebe um juro. Estima-se que a China detenha perto de 1 bilião de dólares em obrigações do tesouro dos EUA. O Japão vem a seguir também com uma carteira considerável. Se alienassem as obrigações do tesouro levaria a uma crise financeira nos EUA? Provavelmente sim, pelo simples facto da economia americana se ver privada de financiar os seus défices – comercial, 3% do PIB e orçamental cerca de 10% (O défice comercial português é superior a 10%). Mas, China e Japão, seriam prejudicados, quer pela desvalorização das suas divisas em dólares e T-Bonds, quer pela valorização das suas moedas que colocaria em causa a competitividade, quer pela perda do seu maior cliente.
Em suma os EUA “exportam” dólares e importam produtos. Porque razão os japoneses, europeus, chineses aceitam comprar dólares? Porque todo o mundo está ligado aos EUA, é como um enorme neurónio onde se ligam inúmeras sinapses de outros neurónios que vêem os EUA como salvador pela falta de procura interna na Ásia e Europa (por esta razão uma crise financeira nos EUA espalha-se facilmente por todo mundo, através de neurotransmissores mais rápidos que corredores dos 100 metros – as praças financeiras americanas influenciam todas as outras e quando “espirram o resto do mundo apanha uma pneumonia”). Para esta estratégia funcionar os países cujas economias dependem das exportações necessitam de manter as suas moedas baixas em relação ao dólar para manter a competitividade exportadora. Os EUA surgem como um polvo que estende os seus tentáculos a todos os países, consome mais de 25% das exportações chinesas, contribuindo para um peso de 5% no PIB chinês e criação directa de 1 milhão de postos de trabalho por ano – pessoas que trabalham cerca de 16 horas por dia a ganhar meio dólar por hora, esperem até chegarem os sindicatos à China! As exportações canadianas, mexicanas e europeias têm também um peso idêntico, logo os EUA não está dependente de nenhum fornecedor e tem a vantagem do comércio internacional pesar pouco mais de 10% no seu PIB e por absurdo os EUA viveriam em autarcia com mais facilidade que as outras grandes nações. Ninguém pode viver em autarcia? O nosso planeta terra vive, pois não existe comércio inter-planetário. Muitos produtos fabricados na China são de empresas ocidentais, Microsoft, Apple, HP, Nokia, neste momento em que lê este artigo é bem provável que o seu teclado seja de uma marca dos EUA, mas no seu verso tenha escrito “Made in China”. Se a leitura for em papel e olhar o seu telemóvel de marca ocidental é provável que seja “made in China” até a bateria. Sem os EUA, sem o seu consumo, sem o seu espaço de negócios, a crise de superprodução crónica que o capitalismo mundial sofre há mais de 3 décadas converter-se-ia num desmoronamento imparável. Encontram nos compradores norte-americanos clientes cuja procura não pode ser substituída. Não há saída fácil para a situação actual. A forma de ajustamento do dólar vai determinar a dimensão do impacto para as economias, tal como os ajustamentos das placas tectónicas provocam terramotos com avultados prejuízos financeiros e humanos.
Existem várias saídas para a nova reserva mundial. Os DES (direitos especiais de saque) podem ser declarados divisa de reserva mundial, mas a utilidade do dólar como um meio de troca internacional líquido significa que ele não será facilmente substituído. A divisa é unicamente um meio de manter registo das trocas de bens e serviços, o dinheiro é simplesmente um meio de manter a contagem e poderia ser indexado a um cabaz de 30 ou mais mercadorias, como a China propôs. Daqui a 1 ou 2 décadas o PIB chinês deverá alcançar o americano, e a China tornar-se-á no grande “player”, tal como hoje já o é, a par dos EUA, Europa e Japão. De facto, não há necessidade de os EUA ou qualquer outro país cederem a sua soberania, nem o resto do mundo ficar obrigado à ditadura unilateral inerente à utilização do dólar como a divisa de reserva mundial. Uma divisa global é outra proposta, mas pelos motivos supramencionados no euro e também se todos os governos emitirem a mesma divisa, "a oferta monetária global seria vulnerável a governos irresponsáveis que emitissem demasiado". Os fortes acabariam por dominar os fracos e a soberania nacional enfraquecida.

Existem hoje plataformas onde qualquer investidor poderá entrar no maior mercado mundial, o cambial, através de uma multiplicidade de moedas passando pelas principais paridades euro/dólar, libra/dólar, ouro/dólar. Fácil acesso a um mercado com muita liquidez, alavancagem de 100 vezes, para investir em 50.000 euros contra o dólar, é preciso na conta apenas 500 euros e ir gerindo as margens, e se o euro subir 0.01, ou seja 100 pip’s em relação dólar, obtendo um ganho de 500 euros. Pode comprar ou vender euros/dólares e as outras paridades.






















Paulo Monteiro Rosa, economista, Março 2010.

Quem se segue depois do resgate à Grécia?

Não se pode andar a pedir emprestado para pagar empréstimos que estão a caducar. Portugal este ano vai pedir mais de 20 mil milhões de euros para pagar dívida que expira e quase outro tanto para colmatar o défice público.
As contas públicas portuguesas são distintas e menos graves que as gregas. São fidedignas, auditadas enquanto as gregas sempre tiveram uma contabilidade criativa. Mas em certos aspectos nomeadamente na atitude, os dois países são iguais, pobres a fazer vida de ricos. A despesa pública está sempre a crescer em termos nominais. Em Fevereiro e Março deste ano a despesa aumentou mais de 2% em termos nominais, em relação ao período homólogo do ano passado. Isto é insustentável.

Não interessa se é o défice que leva ao fraco crescimento económico ou vice-versa. É preciso repensar um novo modelo económico. Política de natalidade, política energética, incentivar os jovens à iniciativa privada em detrimento de um emprego na função pública – um país que incentivar os seus jovens a optarem pela função pública tem o futuro hipotecado -, corte na despesa pública, corte nos impostos que estrangulam a economia pois neste momento são 165% acima da média europeia.

O mercado procura “sangue” e irá virar-se para Portugal se notar fraqueza, mesmo com Portugal dentro do euro do mesmo modo se estivesse fora do euro. Não interessa que seja o economista A ou B, o Presidente da república, o Presidente da comissão, se os mercados acharem que Portugal é a próxima vítima, não há nada. Poderá ser já amanhã, apesar de ser muito pouco provável que aconteça e mais remota a possibilidade de saída do euro. A Irlanda desde que fez cortes em Dezembro de 2009, saiu dos holofotes dos especuladores. Tem um défice em 2009 de cerca de 14%, muito superior aos 9.4% portugueses, mas nos 5 anos anteriores teve superávites. Os especuladores ganham e perdem dinheiro, para estarem a vender dívida pública grega por exemplo têm que existir alguém que a compre. Os especuladores dão liquidez aos mercados e são eles que por exemplo compram a dívida portuguesa, se eles não estivessem no mercado não haveria colocações com procura necessária.

A dívida portuguesa foi de 78% do PIB em 2009, governo estima 89% em 2013, são as metas do PEC entregue no mês de Março em Bruxelas. Mas é a dívida escriturada, porque Portugal compromissos futuros, pensões que terão que ser pagas e que “não podem” ser reduzidas e com todos aqueles que estão a trabalhar e a descontar, que não estão escriturados e se fossem contabilizadas a dívida pública corresponderia a quase 200% do PIB. No Reino unido as pensões são em parte privadas e outra parte públicas logo os 80% da dívida do Reino Unido escriturada não andará muito longe da real dívida. Além disso o crédito interno é de 220% do PIB. A dívida grega chega aos 300 mil milhões de euros (115% do PIB, mas já incorpora parte da dívida privada, que não é o caso de Portugal).

Só pensam em aumentar as exportações, a receita de todos os países para sair da crise. Mas o comércio internacional é de soma nula, para alguém exportar é necessário que outro país importe. É impossível todos os países terem superávites externos, porque é uma soma nula de superávites e défices. Além disso a Alemanha mantêm há 10 anos os salários praticamente inalterados, logo não existe poder de compra nem sequer para os produtos nacionais (que a Alemanha exporta grande parte), quanto mais para comprar as exportações portuguesas e a Alemanha representa já 12% do destino das exportações portuguesas e não poderá aumentar muito mais. A Espanha representa 25%, mas também está em crise e tomara ela que o seu consumo interno absorvesse os seus produtos, quanto mais estarem dispostos para aumentar o consumo de produtos portugueses. O mesmo acontece na França com um peso de 20%. Nós devemos virar-nos para novos mercados, porque infelizmente não é a Europa que nos vai salvar (mas era este o objectivo do mercado único, impulsionar as trocas intra-comunitárias). Novos mercados como os PALOP, Angola, Brasil, Cabo Verde, passando pelos mercados da América latina e pelos países emergentes sedentos de novos produtos poderão ser uma solução. Mas pensar em exportações como motor para o relançamento da economia, sem nunca pensar em diminuir as importações. Somos dependentes dos combustíveis fósseis e não podemos prescindir deles, são importações bastante rígidas. A energia eléctrica vem de várias fontes: As centrais hidroeléctricas não chegam a 40% do total consumido, as energias renováveis (eólica e solar) não ultrapassam os 2% e são bastante subsidiadas, a biomassa que chegará em 2011 a 5% da energia consumida em Portugal (a Portucel Industrial produz cerca de 75%) começa a ter um peso relevante, o remanescente provem dos combustíveis fósseis e ainda temos que importar energia eléctrica. Porque não estudar os impactos, sociais e ambientais, da energia nuclear? Cientistas dizerem, sem tabus, se realmente a energia nuclear é segura. Temos junto à fronteira, centrais nucleares espanholas. As poupanças seriam enormes.

Ou seja é sempre o mesmo raciocínio aumentar as receitas (exportações) e nunca pensar em diminuir as despesas (importações). O mesmo acontece com as contas públicas, aumentar sempre as receitas (subir impostos) para colmatar os défices sem nunca se diminuir as despesas. Os salários pesam 25%, as despesas sociais 50%, a administração 22% e os juros 3% - mais de 5 mil e 500 milhões de euros, e com a subida das “yields” das obrigações do tesouro português, as novas emissões com cupões mais elevados, ultrapassará facilmente os 6 mil milhões de euros no final do ano -, tem que ser feito um corte sóbrio, inteligente e criterioso, sem por em causa o crescimento económico.
Com o pedido de ajuda da Grécia no dia 23 de Abril, o FMI vai emprestar 15 mil milhões de euros a pouco mais de 3% e a União Europeia 30 mil milhões a cerca de 5%, valores bastante abaixo dos praticados no mercado. São taxas do início de 2010 que a Grécia pagaria caso se tivesse resolvido este problema em Janeiro, se houvesse solidariedade - pilar da união europeia -, aliada à responsabilidade dos Estados e disciplina orçamental. Ganham os accionistas dos bancos, principalmente germânicos que são o que têm maior liquidez neste momento e perdem os contribuintes gregos, portugueses, espanhóis e irlandeses.

Em suma não haja dúvidas que é preferível ter como moeda o euro – e Portugal terá que fazer tudo ao seu alcance para que por mérito próprio permaneça incluído na Zona Euro – do que termos o escudo, apesar de neste momento os juros efectivos da dívida pública portuguesa serem idênticos a 1997 – quando o escudo ainda era a moeda nacional. A vantagem que tínhamos em desvalorizar a moeda e promover as exportações, não compensaria a segurança e estabilidade que o euro transmite, bem como a subida dos preços das importações e o aumento da dificuldade dos portugueses viajarem pelo mundo, quer por lazer, quer por trabalho, adquirindo mais conhecimentos quer científicos, quer pela experiência enriquecedora do contacto com culturas e costumes de outros povos.

Paulo Rosa, economista, Abril 2010

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.