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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O perfume irresistível do ouro continuará a impulsionar a sua cotação? O ouro não gera renda, no entanto é um erro ir contra o mercado.

O que motiva esta atracção? É raro, é bonito aos olhos do Homem desde os primórdios da História e se a Terra fosse toda feita de ouro o Homem se mataria por um punhado de lama. O total de ouro extraído desde o início da humanidade, 65% desde 1950, está estimado em 158 mil toneladas, 8500 m3, um campo de futebol coberto de ouro com 1 metro de altura. As reservas dos bancos centrais detêm 20%, a Joalharia - sujeita a uma taxa de IVA de 21% - representa 50%, a indústria electrónica e cirurgia dentária 11% e o remanescente 19% é ouro destinado ao investimento através da compra física - isento de IVA, as mais-valias não pagam imposto, mas com custo de guarda num cofre bancário - ou plataformas de instituições financeiras que permitem a compra e venda de ouro, risco cambial só na mais ou menos-valia, sem custos de guarda, abertura de posições vendedoras e alavancagens de 50 ou mais vezes – com 1000€, 1 onça troy (31,103481 gramas), poderá adquirir 50.000€ de ouro, 1.5Kg.

Factores que impulsionam o mercado do ouro: A) A emissão de dinheiro pelos bancos centrais com o objectivo de superar a crise económica se não for monitorizada culminará numa espiral inflacionista. B) As moedas estão associadas a países e estes têm hoje elevadas dívidas. O ouro não tem pátria, logo não tem passivo. É um escudo contra a bancarrota do sistema financeiro. Tornar-se-á novamente dinheiro? É improvável. Desde o aparecimento da moeda fiduciária a sua posição foi relegada para activo de refúgio. Desempenhou um papel fulcral no sistema financeiro internacional até 1973 (colapso do sistema de Bretton Woods). Hoje o ouro é apenas mais uma opção de investimento. C) Protecção contra a inflação. Confiança que o ouro não perderá valor ao contrário do dinheiro. D) O crescimento económico é sinónimo de maior procura de objectos em ouro. E) O preço do ouro tende a baixar com a subida do USD, porque o ouro é tradicionalmente uma alternativa à moeda americana e também como é negociado em USD, se esta moeda depreciar os investidores pedem mais pelo ouro. F) O ouro não paga juros, logo se as taxas de juro forem baixas o custo de oportunidade do investimento em ouro é menor e aumenta a procura. G) A produção tem aumentado e os Bancos Centrais são actores determinantes. H) Na crise vão-se os anéis e ficam os dedos o que aumenta o negócio do ouro.

O “Acordo dos Bancos Centrais sobre o Ouro” assinado pelo BCE e por 14 Bancos Centrais Nacionais, entre os quais o Banco de Portugal (BdP), em 1999 e com validade até 2004, tinha como objectivo a alteração da composição das reservas externas em grande parte constituídas por ouro, característica dos bancos centrais ocidentais – quadro 1. Como o ouro não gera renda, tem subjacente apenas os ganhos de capital, reflectidos pela lei da oferta e da procura, a sua alienação e a aquisição de Obrigações do Tesouro (OT) no intuito de obter uma remuneração e a descrença de que uma valorização extraordinária do ouro seria ajustada pelo aumento da oferta, pesaram na decisão do BCE. O BdP na perspectiva de uma futura redução da rubrica do ouro nas reservas, negociou em 1997 e 1998 opções de venda de ouro com datas de exercício a partir do final de 2002 e vendeu 224 toneladas de ouro, entre 2002 e 2006, ao preço médio ponderado de 423 USD/Onça, 355 EUR/Onça – quadro 2. Hoje o metal amarelo cota nos 1375 USD/Onça e os ganhos de capital mais que compensam as remunerações das OT (com um cupão de 4% os 355€ valeriam hoje cerca de 453€, como a onça cota nos 1034€, o BdP deixou de “ganhar” 4,2 mil milhões de euros, 2.5% do PIB, caso vendesse hoje). O futuro é imprevisível e ter em carteira um activo que não gera renda é arriscado (o ouro registou uma queda superior a 50% desde início da década de 80 até finais da década 90). Os erros só existem perante factos e não ante decisões tomadas no presente. O tempo dita se uma decisão é acertada, mas nunca se foi um erro. Qual será a cotação do ouro daqui a 5 anos? À posteriori é fácil. As vendas pararam em Setembro de 2006, após alguma diversificação das reservas e pela evidência da força do mercado que se tornou um facto, sendo um erro ir contra o mercado. O ouro detido pelo BdP representa 8% do PIB, daria para colmatar o défice público de 2010, mas o problema persistiria em 2011 com o défice de 4.6%. Reduziria a dívida pública para cerca de 75%, mas os juros pesam mais de 4% do PIB. Desiludam-se aqueles que pensam que o ouro do BdP é ou foi na última década solução para a nossa crise estrutural.

Hoje 100 gramas de ouro representarão 100 gramas de ouro daqui a 10 anos. Hoje 100 acções serão daqui a 10 anos 100 acções mais os dividendos pagos e aplicados na aquisição de mais acções e podem ser por exemplo 150 acções. Um retorno total: remuneração do activo e ganhos de capital – perspectivas para a empresa, resultados não distribuídos aos accionistas e reinvestidos na empresa. Dois dos principais índices accionistas mundiais quando analisados com base no retorno total, o S&p500 e o EuroStoxx50, mostram um melhor desempenho nos últimos 18 anos do que a cotação do ouro – gráfico 1. Na última década há uma lateralização das acções e uma subida exponencial do ouro. No longo prazo, 20, 50, 100 anos, a história mostra que existem melhores activos que o ouro, como é o caso das acções. O ouro é por excelência um activo de refúgio perante a incerteza que é efémera.

Na indústria electrónica a condutividade do ouro, com fios de calibre reduzido, permitem que circuitos infinitamente pequenos funcionem na perfeição. Esta indústria é a única remunerada através do lucro, é um input para um produto, a par da medicina dentária e da joalharia. A febre do ouro é a Oriente à medida que países como a índia vão adquirindo maior poder financeiro e compra de mais ouro para fins de joalharia por motivos culturais. O consumo anual de ouro aplicado na joalharia é dominado pela Ásia em 43% e pelo Médio Oriente em 13%. A Índia com 21%, seguida da China com 8% e do Japão com 3%. As notícias na Índia, China, Japão e Coreia do Sul dão conta da corrida ao ouro físico por parte dos investidores que acreditam que «o ouro é sensível à geopolítica e aos crashs bolsistas». É um termómetro - quanto mais aquece a geopolítica mais sobe e se afirma como valor de refúgio. A China quer decuplicar as suas reservas de ouro até 2020 e reduzir a exposição dos activos chineses ao USD e a outras moedas, objectivo incompatível com a manutenção da competitividade das suas exportações. Os EUA compram mais de 25% dos produtos chineses.

“Ouro, um valor seguro”, é slogan em todos os média, no panfleto do pára-brisas, o número de lojas cresce a um ritmo exponencial, surgem franchisings, na rua todas as pessoas sabem a cotação do ouro e continuam a entrar no mercado certas de lucros extraordinários. A hora para evitar posições de compra está cada vez mais perto, mas ainda não deixou de ser “um chão que dá uvas” porque a tendência é de alta e é um erro ir contra o mercado. As dotcom são um exemplo paradigmático, utilizavam o multiplicador comparativo em detrimento dos cash flows, porém quem abandonou o mercado na subida deixou de ganhar. A febre do ouro continuará? A análise técnica do gráfico da cotação do ouro é a ferramenta fundamental. Estar alerta a todos os sinais é um meio para evitar uma atracção fatal.





















Fonte: Bloomberg

Paulo Rosa, economista, Novembro 2010

5 comentários:

  1. Artigo interessante. No entanto ficaria mais verdadeiro se o gráfico de ganhos comparativos abarcasse os últimos 40 anos em vez de 19 anos. Ou mais engraçado, outro apenas dos últimos 12 anos! E já agora, os quadros de transacções, em lugar de apenas incluírem 15 anos, que tal reflectir também os últimos 40 anos. Mais elucidativo.

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  2. Boa noite Sr. Manuel Vieira,

    Na realidade, um gráfico dos últimos 40 anos seria muito mais elucidativo. As fontes por vezes não permitem. A Bloomberg só tinha dados desde 1992. A década de 80 ainda é mais favorável para as acções. Vou arranjar outras fontes. Os últimos 12 anos estão espelhados no gráfico, e o ouro ganha uma vantagem enorme às acções. Os índices accionistas estão longe dos máximos do ano 2000 e a cotação do ouro subiu dos 300 USD/onça para 1500 USD/onça nos últimos 12 anos. mas o curto prazo diz pouco nests comparações. No longo prazo, com ciclos de Kondratiev de 50 anos, as rupturas com novas tecnologias aplicadas, traduzem-se em ganhos significativos nos lucros das empresas, logo na subida das acções e na ausência de incerteza (queda da cotação do ouro).
    Agradecido pela sua sugestão. Vou adaptar os gráficos, assim que conseguir aceder às fontes necessárias.

    Melhores cumprimentos,
    Paulo Rosa

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  3. Tenho deixado passar o tempo sem comentar o enorme conteúdo pedagógico deste blog. Parabéns.
    Se puder indicar-me quais são os agentes financeiros que permitem negociar ouro com alavancagens de 50 vezes ou mais agradecia. É que creio ser uma gaffe, mas posso estar errado.
    Cumprimentos.
    António Bento

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  4. Boa tarde Sr. A.B.,

    Obrigado pela sua apreciação.
    GobullingPRO do Banco Carregosa.

    Melhores Cumprimentos,
    Paulo Monteiro Rosa

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  5. A apreciação é sincera, tanto mais que a desinformação que vai tomando conta dos media começa a levantar tanta poeira que não se vê o sol.
    Nunca me dei bem com produtos que incluem alavancagem, incluo-me no rol dos que consideram que a alavancagem faz dum mau negócio um péssimo negócio, mais frequentemente que o oposto. E também nunca tinha encontrado alavancagens tão altas, a não ser há muitos anos, e creio que o proponente está preso.
    Muito obrigado pela informação - esta e toda a do blog - embora duvide sériamente que a GobullingPRO aceite apenas uma ozt. É um problema recorrente dos "privates" e "wealths" e afins; a massa crítica anda sempre acima do meio milhão. Ganha-se muito, ou, como eu vejo as coisas, perde-se muito.
    Abraço.

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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.