As agendas político-partidárias e os calendários eleitorais
condicionam as conversações, entre republicanos e democratas, para alcançarem
as necessárias alterações ao atual limite de dívida pública norte-americana. A
lei do Orçamento Bipartidário, de agosto de 2019, suspendeu durante dois anos o
limite da dívida pública norte-americana, até ao passado dia 31 de julho. No
dia 1 de agosto de 2021, o limite da dívida, o ‘debt ceiling’, foi redefinido
para o teto anterior de 22 biliões de dólares, mais os empréstimos acumulados e
ocorridos durante o período de suspensão. A pandemia impulsionou
significativamente os gastos públicos e, consequentemente, a dívida pública
alcançou os 28,5 biliões de dólares no final de julho e o novo teto da dívida
foi restabelecido automaticamente nesse nível em 1 de agosto.
Atualmente, o governo dos EUA financia todas as suas
despesas recorrendo à receita fiscal. Setembro é um mês favorável para as
contas públicas, porque há lugar ao pagamento de vários impostos de pessoas
singulares e empresas. Os empréstimos ao Estado estão limitados pelo novo teto
da dívida pública. Qualquer emissão de dívida só poderá ocorrer para amortizar
empréstimos vencidos, ou seja, ‘rolar’ dívida, expressão do jargão financeiro.
Numa economia capitalista, onde não há lugar a dividendos de
empresas públicas e outros proveitos públicos, os impostos são, em boa verdade,
a única fonte de receitas do Estado para satisfazer as necessidades crescentes
de despesa pública, nomeadamente para financiar planos de infraestruturas de
longo prazo. Sendo assim, o teto da dívida pública ou é aumentado, ou é
novamente suspenso.
Os republicanos opõem-se ao aumento do teto da dívida, não
porque não precise de ser feito, mas porque abriria o caminho para os
democratas avançarem com o plano de aprovação de um pacote de 3,5 biliões de
dólares para expandir a rede de segurança social sob o processo de
reconciliação orçamental. Os republicanos recusam-se a apoiar esse acréscimo de
despesa pública e aumento de impostos propostos para pagá-la. A expansão da
segurança social inclui investimentos em educação, creches, saúde e licenças
remuneradas a serem financiados pelo aumento de impostos sobre as empresas e as
pessoas de rendimentos mais elevados.
A atual administração dos EUA é democrata e no Congresso,
composto pela Câmara dos representantes e pelo Senado, os democratas detêm a
maioria. O voto de qualidade de Kamala Harris no Senado confere-lhes maioria.
Assim sendo, os democratas têm votos suficientes para aprovarem alterações ao
limite da dívida se utilizarem o mecanismo da reconciliação orçamental,
processo legislativo adotado em 1974, e que só necessita de maioria simples.
Em vez de precisar de uma maioria qualificada de três
quintos (60 votos), um projeto de lei alicerçado na reconciliação orçamental só
necessita de maioria simples no Senado (51 votos). Todavia, há limitações à sua
utilização. Um projeto de lei de reconciliação que aumente o défice além do
período coberto pela resolução orçamental está sujeito a um ponto de ordem de
60 votos sob a "regra de Byrd" de 1985, em homenagem ao senador
Robert Byrd, a menos que os custos sejam compensados por poupanças previstas no
próprio projeto de lei. A regra de Byrd pretende impedir o uso da reconciliação
para promover défices públicos crescentes e duradouros. A reconciliação também
não deve alterar despesas com a segurança social que sejam consideradas fora do
perímetro do orçamento.
Sem um acordo bipartidário, os democratas têm de recorrer à
reconciliação orçamental para alterar ou suspender o limite da dívida. O
partido no poder procura aprovar legislação e o seu programa de governo com os
votos dos republicanos para maior legitimidade política. Os republicanos podem
aproveitar a aprovação unipartidária do limite da dívida para responsabilizar
os democratas por gastos excessivos e dívidas mais elevadas. Assim sendo,
pressionam os democratas no Senado a incluírem o aumento do teto da dívida no
pacote democrata de âmbito social de 3,5 biliões de dólares que os democratas
pretendem aprovar numa votação unipartidária sob a reconciliação orçamental.
Republicanos e democratas evitam decisões políticas que os penalizem nas urnas
em novembro de 2022, nas eleições intermédias para o Congresso. Entretanto, a
reconciliação apenas foi usada quatro vezes para aumentar o limite da dívida, a
última em 1997.
Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 24 de setembro de
2021