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sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Agendas políticas condicionam ‘debt ceiling’

As agendas político-partidárias e os calendários eleitorais condicionam as conversações, entre republicanos e democratas, para alcançarem as necessárias alterações ao atual limite de dívida pública norte-americana. A lei do Orçamento Bipartidário, de agosto de 2019, suspendeu durante dois anos o limite da dívida pública norte-americana, até ao passado dia 31 de julho. No dia 1 de agosto de 2021, o limite da dívida, o ‘debt ceiling’, foi redefinido para o teto anterior de 22 biliões de dólares, mais os empréstimos acumulados e ocorridos durante o período de suspensão. A pandemia impulsionou significativamente os gastos públicos e, consequentemente, a dívida pública alcançou os 28,5 biliões de dólares no final de julho e o novo teto da dívida foi restabelecido automaticamente nesse nível em 1 de agosto.

Atualmente, o governo dos EUA financia todas as suas despesas recorrendo à receita fiscal. Setembro é um mês favorável para as contas públicas, porque há lugar ao pagamento de vários impostos de pessoas singulares e empresas. Os empréstimos ao Estado estão limitados pelo novo teto da dívida pública. Qualquer emissão de dívida só poderá ocorrer para amortizar empréstimos vencidos, ou seja, ‘rolar’ dívida, expressão do jargão financeiro.

Numa economia capitalista, onde não há lugar a dividendos de empresas públicas e outros proveitos públicos, os impostos são, em boa verdade, a única fonte de receitas do Estado para satisfazer as necessidades crescentes de despesa pública, nomeadamente para financiar planos de infraestruturas de longo prazo. Sendo assim, o teto da dívida pública ou é aumentado, ou é novamente suspenso.

Os republicanos opõem-se ao aumento do teto da dívida, não porque não precise de ser feito, mas porque abriria o caminho para os democratas avançarem com o plano de aprovação de um pacote de 3,5 biliões de dólares para expandir a rede de segurança social sob o processo de reconciliação orçamental. Os republicanos recusam-se a apoiar esse acréscimo de despesa pública e aumento de impostos propostos para pagá-la. A expansão da segurança social inclui investimentos em educação, creches, saúde e licenças remuneradas a serem financiados pelo aumento de impostos sobre as empresas e as pessoas de rendimentos mais elevados.

A atual administração dos EUA é democrata e no Congresso, composto pela Câmara dos representantes e pelo Senado, os democratas detêm a maioria. O voto de qualidade de Kamala Harris no Senado confere-lhes maioria. Assim sendo, os democratas têm votos suficientes para aprovarem alterações ao limite da dívida se utilizarem o mecanismo da reconciliação orçamental, processo legislativo adotado em 1974, e que só necessita de maioria simples.

Em vez de precisar de uma maioria qualificada de três quintos (60 votos), um projeto de lei alicerçado na reconciliação orçamental só necessita de maioria simples no Senado (51 votos). Todavia, há limitações à sua utilização. Um projeto de lei de reconciliação que aumente o défice além do período coberto pela resolução orçamental está sujeito a um ponto de ordem de 60 votos sob a "regra de Byrd" de 1985, em homenagem ao senador Robert Byrd, a menos que os custos sejam compensados por poupanças previstas no próprio projeto de lei. A regra de Byrd pretende impedir o uso da reconciliação para promover défices públicos crescentes e duradouros. A reconciliação também não deve alterar despesas com a segurança social que sejam consideradas fora do perímetro do orçamento.

Sem um acordo bipartidário, os democratas têm de recorrer à reconciliação orçamental para alterar ou suspender o limite da dívida. O partido no poder procura aprovar legislação e o seu programa de governo com os votos dos republicanos para maior legitimidade política. Os republicanos podem aproveitar a aprovação unipartidária do limite da dívida para responsabilizar os democratas por gastos excessivos e dívidas mais elevadas. Assim sendo, pressionam os democratas no Senado a incluírem o aumento do teto da dívida no pacote democrata de âmbito social de 3,5 biliões de dólares que os democratas pretendem aprovar numa votação unipartidária sob a reconciliação orçamental. Republicanos e democratas evitam decisões políticas que os penalizem nas urnas em novembro de 2022, nas eleições intermédias para o Congresso. Entretanto, a reconciliação apenas foi usada quatro vezes para aumentar o limite da dívida, a última em 1997.


Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 24 de setembro de 2021




sexta-feira, 17 de setembro de 2021

A Evergrande e o Lehman Brothers

As dificuldades financeiras da Evergrande, uma das maiores promotoras imobiliárias chinesas, há muito são conhecidas. O governo chinês está alertado para esse facto e, em boa verdade, as regulamentações mais rígidas sobre os níveis de dívida instituídas pelas autoridades chinesas no ano passado, como parte do esforço do presidente Xi Jinping contra a desigualdade, aceleraram a crise da Evergrande e criaram algumas dificuldades acrescidas aos restantes promotores imobiliários. Em 2017, Xi Jinping havia referido que as casas são para morar, não para especular…

A par da Evergrande, as promotoras Country Garden e a Vanke têm uma dimensão semelhante e receitas anuais à volta dos 650 mil milhões de renmimbi (perto de 100 mil milhões de euros), seguem-se a Sunac China, Poly Real Estate, China Overseas e Greenland com um volume de vendas cerca de 300 mil milhões de renmimbi. As desvalorizações destas promotoras aceleraram nos últimos meses e perdem cerca de metade do seu valor em bolsa desde os máximos de 2018, mas a dívida, apesar de uma queda à volta dos 10% no último trimestre, mantém-se cotada ao par, nos 100%. A S&P Global Ratings reafirmou a classificação de crédito da Country Garden Holdings em "BB +", no passado dia 19 de julho, e manteve a perspetiva positiva. Quanto à Vanke reafirmou o ‘rating’ estável de ‘BBB’ no passado dia 29 de junho. Todavia, a Guangzhou R&F Properties com receitas de 100 mil milhões de renmimbi e a Xinyuan Real Estate com 20 mil milhões, apresentam dificuldades e a sua dívida é negociada nos 70%, que compara com os anteriores 100% há apenas alguns meses. A classificação de crédito da Guangzhou R&F foi revista no dia 14 de setembro pela Fitch para ‘B+’ com perspetiva negativa e a Xinyuan tem rating de ‘B-‘ e perspetiva negativa. 

As ações da Evergrande já perderam 90% do seu valor em bolsa nos últimos três anos e a desvalorização das obrigações acelerou nos últimos três meses de 100% para 25%, antecipando um desfecho pouco otimista para a empresa. As classificações de crédito têm sido sucessivamente revistas em baixa pelas principais casas de ‘rating’ a nível mundial. A Fitch Ratings no passado dia 7 de setembro referiu provável ‘default’ da Evergrande e reduziu a classificação de crédito para ‘CC’ do anterior ‘rating’ de ‘CCC+’ atribuído no dia 28 de julho.

Esta semana a Evergrande tem alertado constantemente para as suas crescentes dificuldades de liquidez e avisou que pode deixar de pagar as suas dívidas a qualquer momento. Crescem os atrasos nos pagamentos dos seus produtos de gestão de património e fundos. Estes adiamentos nos pagamentos podem desencadear incumprimentos cruzados. Muitas instituições financeiras têm exposição à Evergrande através de empréstimos diretos e participações indiretas mediante diferentes instrumentos financeiros. O passivo da Evergrande envolve mais de 128 bancos e mais de 121 instituições não bancárias, de acordo com a carta que Evergrande enviou ao governo no final do ano passado. O China Minsheng Bank é provavelmente o banco chinês com maior exposição à Evergrande, e a sua cotação em bolsa desceu gradualmente nos últimos cinco anos cerca 50%, mas a negociação da sua dívida mantém-se estável à volta dos 100%. A Fitch Ratings manteve a classificação de crédito do banco em ‘BB +’ e ‘outlook’ estável no passado dia 31 de agosto.

No mercado de títulos em dólar, a Evergrande responde por 4% do ‘High Yield’ do setor imobiliário chinês, de acordo com o banco DBS de Singapura. Qualquer incumprimento descontrolado desencadearia liquidações no mercado de crédito ‘High Yield’.

O passivo da Evergrande relativo às contas de 2020 era de 2 biliões de renmimbi (260 mil milhões de euros) e o ativo de 2,3 biliões. Os projetos em desenvolvimento representavam metade do ativo e as reclamações devido às casas inacabadas são crescentes, refletindo as dificuldades da Evergrande, apesar do imobiliário chinês valorizar há 6 anos.

Será a Evergrande o Lehman Brothers chinês? Não parece. As dificuldades financeiras vividas serão semelhantes, mas a postura das autoridades aparenta ser diferente. O Lehman Brothers teve um desfecho ‘descontrolado’ e, atualmente, tudo leva a crer que a resolução da ‘crise Evergrande’ seja um evento controlado e suportado pelas autoridades chinesas. Em 2018, o Banco Popular da China destacou no seu relatório de estabilidade financeira que empresas como a Evergrande poderiam representar riscos sistémicos para o sistema financeiro do país.

Paulo Monteiro Rosa,  In Vida Económica17 de setembro de 2021




sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Fará setembro jus à tendência secular?

Estatisticamente setembro é o mês com pior desempenho no ano. Esta semana o mercado corrigiu, ainda que ligeiramente. Será um prenúncio, um alerta?


As políticas monetárias energicamente expansionistas da Reserva Federal dos EUA (Fed) e do Banco Central Europeu (BCE), a par dos resultados empresariais melhores do que as expectativas, têm suportado os mercados acionistas e conseguido manter as ações alheadas de quaisquer notícias menos favoráveis, tais como a variante delta, a regulação chinesa, a crise no Afeganistão, a atual época de furacões, o ‘debt ceiling’, a subida da inflação e os rácios acima do normal do valor das empresas em bolsa em relação aos seus lucros. Porém, paulatinamente, a subida da inflação tem afastado vozes mais ‘dovish’ e atraído gradualmente membros da Fed e do BCE com uma postura mais ‘hawkish’, apologistas da reversão da atual política monetária acomodatícia. Poderá este cenário de ‘tapering’ ou abrandamento das compras de ativos espoletar uma correção dos mercados? O S&P 500 sobe há 7 meses consecutivos, mas em setembro do ano passado acumulou uma perda de 4%.

Na quinta-feira, o BCE desacelerou o programa de estímulo à pandemia (PEPP), mas insistiu em não diminuir o valor total de 1,85 biliões de euros. O montante de compra de ativos do BCE, ao abrigo do PEPP, provavelmente passará a ser agora de 60 mil milhões a 70 mil milhões de euros por mês, baixando dos anteriores 80 mil milhões. A par do programa de compras pandémicas (PEPP), existe o programa de compra de ativos (APP) do BCE anterior à pandemia, no montante mensal de 20 mil milhões de euros. No próximo ano, à medida que abranda o PEPP, fixado para terminar em março de 2022, o BCE poderá aumentar o APP para suportar a economia da Zona Euro.
Apesar do BCE ter revisto o crescimento económico do bloco europeu que partilha a moeda única em alta pela segunda vez este ano, para 5%, os atuais níveis de inflação na Zona Euro são cerca de metade do aumento de preços verificado nos EUA e o crescimento económico está aquém do verificado na maior economia do mundo. Todavia, a tolerância do BCE face ao nível de inflação é menor do que a flexibilidade da Fed.

O BCE efetivamente elevou a sua meta de inflação de “abaixo, mas perto de 2%” para uma meta simétrica de 2% no médio prazo, o que permite que os preços no consumidor superem os 2% quando necessário, mas não é desejável que tal aconteça, bem como não é recomendável preços abaixo de 2%. No entanto, a Fed é mais flexível, menos preocupada com a inflação e mais comprometida com o pleno emprego, referiu o ano passado, em agosto, que permitirá que a inflação ultrapasse os 2% para compensar anos de deflação ou preços abaixo dos 2%, como forma de impulsionar o mercado de trabalho e a recuperação económica.

Por último, e não de somenos, o atual limite ao endividamento do tesouro dos EUA nos 28,5 biliões de dólares, idêntico ao total da dívida, não permite novas emissões de dívida sem existirem amortizações. O financiamento da despesa do governo dos EUA ou se faz com mais receita de impostos ou com um incumprimento dos EUA que seria deveras nefasto para a economia norte-americana. São necessários 60 senadores para aprovar um aumento do ‘debt ceiling’, mas 46 senadores republicanos disseram que não votam a favor. Setembro é tranquilo porque é um mês de pagamento de impostos das empresas e pessoas singulares, mas o mês de outubro não augura nada de bom…  


Euro/dólar
O dólar recuperou parte das perdas das últimas semanas relativamente ao euro. A descida dos pedidos de subsídio de desemprego semanais nos EUA para o mínimo dos últimos 18 meses, mostraram a recuperação do mercado de trabalho norte-americano e impulsionaram o dólar, depois dos dados fracos do relatório do emprego referente a agosto na semana. A correção dos mercados acionistas esta semana impulsionou a procura de um porto seguro pelos investidores, favorecendo o dólar, um dos principais ativos de refúgio. A subida dos rendimentos do tesouro norte-americano também aumentaram a atratividade da moeda norte-americana, apesar do BCE ter revisto em alta o PIB, pela segunda vez, para 5%. Desde o início de julho, o EUR/USD tem negociado, em boa parte do período, no intervalo 1,17 a 1,19.

Ouro
O preço do ouro manteve-se, ontem, perto dos mínimos das duas últimas semanas, pressionado por um dólar norte-americano mais forte. O ouro não gera qualquer rendimento, apenas ganhos de capital, e perante uma subida das taxas de juro, nomeadamente dos rendimentos do tesouro norte-americano, aumenta novamente a atratividade do dólar em relação ao ouro. As perspetivas de redução dos estímulos monetários da Fed e do BCE nos próximos meses também poderá retirar algum incentivo à procura do metal amarelo.
Como o ouro é cotado em dólares, a subida da moeda norte-americana, impulsionada pela correção dos mercados e dados macroeconómicos mais favoráveis, acaba por resultar numa desvalorização do ouro.  

Ações
A Lululemon, empresas de roupas desportivas com sede em Vancouver, aumentou a sua orientação (guidance) para o resto do ano, após resultados do segundo trimestre que ultrapassaram as expectativas. Os lucros mais do que duplicaram num aumento de 61% das vendas. A Lululemon espera que os lucros para o ano todo sejam de US $ 7,16 a $ 7,26 por ação e a receita de US $ 6,19 mil milhões a US $ 6,26 mil milhões. A empresa abriu 11 novas lojas no trimestre e possui 534 lojas na sua rede.
A receita da UiPath, a startup da Romênia de automação de processos robóticos que realizou o IPO a 21 de abril, superou as expectativas de Wall Street segundo trimestre, e aumentou a previsão para a receita recorrente neste ano fiscal.




Teto da dívida pública dos EUA

Os governos pedem emprestado quando gastam mais dinheiro do que recebem. Quando as despesas do Estado são superiores às receitas arrecadadas, nomeadamente impostos nas economias capitalistas, surgem défices orçamentais que são colmatados através da emissão de títulos da dívida pública. Consecutivos saldos negativos das contas públicas aumentam gradualmente a dívida pública de um país. 

Antes de 1917, o Congresso norte-americano autorizava o governo a pedir emprestado um montante fixo de dinheiro durante um determinado período de tempo. Quando os empréstimos eram pagos, o governo não podia contrair novos empréstimos, a menos que fosse novamente autorizado a fazê-lo pelo Congresso.

O Second Liberty Bond Act de 1917 criou um teto para a dívida pública norte-americana, conhecido por ‘debt ceiling’, fixado em 11,5 mil milhões de dólares. Esta nova legislação permitiu ‘rollovers’ da dívida sem a aprovação do Congresso, ou seja, a emissão contínua de títulos da dívida pública sem a autorização do Congresso desde que o ‘debt ceiling’ não fosse atingido. Desde então, o teto da dívida foi aumentado ou suspenso 98 vezes. O Congresso interrompeu o limite da dívida sete vezes desde fevereiro de 2013 e a suspensão mais recente, expressa na “Lei do Orçamento Bipartidário de 2019”, começou a 2 de agosto de 2019 e terminou no passado dia 31 de julho. Esse projeto previa um ajustamento automático à atual dívida pública dos EUA, aproximadamente de 28,5 biliões de dólares, a fim de contabilizar os empréstimos do governo norte-americano até essa data. A resposta à pandemia alavancou significativamente a dívida… O anterior teto era de 22 biliões de dólares. Efetivamente o limite da dívida aumentou automaticamente em 6,5 biliões de dólares, para o atual nível de dívida pública de 28,5 biliões de dólares no final de julho. Desde 1 de agosto não é permitido ultrapassar esse limite e só há lugar a novas emissões de dívida pública se existirem amortizações. O aumento do teto não autoriza novos gastos do governo, apenas permite que o tesouro peça mais dinheiro emprestado para pagar os gastos já aprovados.

A controvérsia em torno do aumento do atual teto resume-se, quase exclusivamente, a uma decisão política e o nível do ‘debt ceiling’ diverge entre republicanos e democratas, entre quem governa e quem está na oposição. Além disso, os dois partidos também têm visões diferentes quanto à prossecução de uma política orçamental expansionista, mais despesista do lado dos democratas e mais centrada no corte de impostos do lado dos republicanos. Algo semelhante acontece quanto à política monetária, sendo os republicanas pouco expansionistas para evitar o imposto inflacionário e os democratas mais simpatizantes de políticas monetárias mais acomodatícias.

O senado dos EUA é constituído por 100 senadores e são necessários 60 para aprovar um aumento do teto, mas 46 senadores republicanos já alertaram que não votarão a favor. Em 2011, a recusa do aumento do teto da dívida resultou na redução do ‘rating’ pela Standard & Poor’s de AAA para AA +, a primeira vez na história do país, penalizando os mercados financeiros.

A conta geral do tesouro dos EUA junto da Fed atingiu quase 2 biliões de dólares em julho do ano passado, face à procura de liquidez do governo para responder à crise pandémica. No início deste mês, a conta tinha apenas 277 mil milhões de dólares, que só satisfazem despesas de um mês. Em setembro, há pagamentos estimados de impostos de empresas e pessoas singulares ao tesouro. As dificuldades começarão, talvez, a ser sentidas no mês de outubro…

O aumento do teto da dívida requer ação legislativa frequente e debates sobre o ‘debt ceiling’ geralmente ocorrem depois de as políticas que produzem a dívida já terem sido implementadas, caso dos 6,5 biliões acima dos 22 biliões de dólares do anterior teto.

O teto é um valor absoluto e, como tal, precisa por vezes de ser revisto para acompanhar o crescimento económico, o aumento da população e a inflação. Um valor relativo, como a dívida pública face ao PIB nominal, ou a vinculação da subida do limite da dívida ao cumprimento de metas fiscais responsáveis poderiam limitar a atuação do Congresso.

Paulo Monteiro Rosa, 10 de setembro de 2021 In Vida Económica




terça-feira, 7 de setembro de 2021

Quo Vadis, China?

Quando até mesmo George Soros avisa que a China está prestes a enfrentar uma grande crise financeira, escrevendo num artigo do Financial Times que o ‘boom’ imobiliário chinês está a chegar ao fim, é motivo para os investidores se preocuparem. A seguir à chegada de Xi Jinping ao poder em 2013, Soros esperava que a par da pujança económica chinesa, o atual presidente encetasse reformas políticas. Porém, Xi Jinping tem gradualmente endurecido as posições políticas do Partido Comunista Chinês (PCC). Ao robusto desempenho dos mercados financeiros chineses de meados de 2014 a meados de 2015, espelhado na valorização de 125% do índice acionista de Shanghai, seguiu-se uma forte correção de 35% e um gradual aumento do escrutínio regulatório em 2016, em 2018 e atualmente. 

Cresce o risco de incumprimento da Evergrande. De maior empresa imobiliária chinesa, a Evergrande passou a uma das maiores devedoras da economia chinesa e tem cerca de 300 mil milhões de dólares em dívida, de acordo com Jennifer James da Janus Henderson Investors. Não é apenas Soros que alerta para esta ameaça, é a própria empresa que adverte que corre o risco de não pagar os empréstimos se não conseguir levantar dinheiro no mercado. É certo que a economia chinesa está significativamente alavancada, perto de 300%, e Soros salienta que esse número estará certamente subavaliado, mas as autoridades chinesas pretendem diminuir a alavancagem e limitar o acesso a mais endividamento do promotor imobiliário mais endividado do mundo, a Evergrande. 

Em boa verdade, a guerra comercial e tecnológica encetada pela administração de Donald Trump, e seguida pelo recente presidente eleito, Joe Biden, relativamente à China é uma reação à crescente ameaça chinesa à secular hegemonia norte-americana, e o gradual endurecimento regulatório chinês às suas empresas mais não é de que um reflexo da resposta chinesa à crescente tensão entre as duas maiores economias globais.

É crescente a apreensão dos investidores ocidentais relativamente à exposição a títulos chineses. As cotações das empresas chinesas nas praças norte-americanas, através de ADR’s (American Depositary Receipt), têm sido bastante penalizadas. A compra de ADR’s não é igual à aquisição direta dos capitais próprios das empresas, facto que aumenta o receio dos investidores. Além disso, o gradual escrutínio chinês das suas empresas, nomeadamente aquelas que estão mais expostas a capitais e empresas exteriores, agrava o receio do investidores, aumenta a perceção de risco e, consequentemente, impulsiona a queda dos rácios de preço/lucro (PER – Price Earnings Ratio), tal como acontece na Rússia e outras geografias. Muitas das ações das empresas russas negoceiam com múltiplos muito baixos, cerca de três ou quatro vezes os lucros, penalizadas pela perceção de menor liberdade e transparência, entendendo os investidores que estes títulos são mais arriscados. A China parece trilhar o mesmo caminho no que concerne à perceção de menor liberdade económica e faz gradualmente jus à forma de governo ditatorial espelhada no partido único… 

Colocar o interesse comum à frente do interesse individual é nivelar por baixo, é trazer os de cima para baixo. Em boa verdade, garantir a liberdade da atividade económica é zelar pelo interesse comum. Há um crescente receio em investir na economia chinesa e as graduais pressões regulatórias agravam esse fenómeno. Todavia, os planos económicos quinquenais do PCC vão manter a economia chinesa no caminho do crescimento, mas muito aquém do seu potencial porque o financiamento é menor, a procura global também e o investimento tende a desacelerar. Os investidores fogem sempre do interesse comum e procuram sempre o porto seguro da liberdade económica. Pode a China viver em autarcia? Claro que pode, tal como os EUA, ao contrário de Portugal. Porém, uma economia chinesa mais próxima da autarcia crescerá muito menos que uma economia virada para o mercado externo e o nível de bem estar da população não será tão elevado como numa aproximação à liberdade económica. 

Todavia, a China prepara-se, pela primeira vez, para assumir uma participação na Ant de Jack Ma…

Paulo Monteiro Rosa, 3 de setembro de 2021 In Vida Económica



‘Tapering’: Reserva Federal dividida

De acordo com alguns membros da Reserva Federal dos EUA (Fed), reduzir a compra de títulos mais cedo poderá propiciar uma maior flexibilidade para aumentar as taxas de juros. Vários membros aproximam as suas posições para começar a reduzir as compras mensais (80 mil milhões de dólares em títulos do tesouro e 40 mil milhões de dólares em títulos garantidos por hipotecas) nos próximos três meses se a recuperação económica continuar, e encerrar o programa de compra de ativos até meados do próximo ano.

A Fed referiu em dezembro passado que continuaria no ritmo atual de compras de títulos até alcançar um "progresso adicional substancial" em direção às metas de inflação média de 2% e emprego robusto. Recentemente, Jerome Powell deixou claro que o principal obstáculo é o emprego, com a Fed disposta a manter alta a inflação. Mas na última reunião de 27 e 28 de julho, a Fed deliberou sobre duas questões importantes: quando começar a reduzir as compras mensais de 120 mil milhões de dólares e com que rapidez.

O presidente da Fed de Boston, Eric Rosengren, espera um crescimento de emprego suficiente que satisfaça, já na próxima reunião da Fed de 21 a 22 de setembro, os critérios de redução de compra de títulos, que se iniciaria no outono, terminando em meados do próximo ano, desde que o crescimento económico se mantenha robusto. O presidente da Fed de Dallas, Robert Kaplan, referiu que as compras de ativos são para estimular a procura, mas, atualmente, esse problema não se coloca. Se reduzir as compras de ativos mais cedo, a Fed poderá esperar mais tempo antes de aumentar as taxas de juros, referiu Kaplan. O presidente da Fed de St. Louis, James Bullard, quer começar a reduzir os ativos em outubro e concluir o programa em março, reduzindo as compras de títulos do Tesouro em 20 mil milhões de dólares por mês e de títulos garantidos por hipotecas em 10 mil milhões por mês.

Ao mesmo tempo, outros membros pediram mais paciência. A governadora da Fed, Lael Brainard, referiu que seria prudente ver o relatório de emprego de setembro, que não estará disponível até o início de outubro, antes da Fed decidir.

As respostas são importantes para os mercados financeiros porque os membros da Fed afirmaram que preferem concluir o programa de compra de títulos antes de considerar o início do aumento das taxas de juro. Na reunião da Fed de 15 e 16 de junho, 13 dos 18 membros da Fed projetaram aumento de taxas de juro até ao final de 2023, e sete membros anteciparam mesmo uma subida de taxas até ao final de 2022. O mercado aguarda com expetativa o próximo diagrama ‘dot plot’ que sairá da reunião de 21 e 22 de setembro, com um resumo das respetivas projeções económicas trimestrais. No final do mês realizar-se-á o simpósio da Fed em Jackson Hole e novas pistas surgirão sobre o cronograma para redução de ativos e aumento das taxas.

Na passada terça-feira, o euro face ao dólar cotou a 1,1702, o valor mais baixo desde o início de novembro do ano passado. A agudização da pandemia em algumas regiões, impulsionada pela variante delta, e a tomada do poder no Afeganistão pelos talibãs, despertaram nos investidores o apetite pela moeda norte-americana, considerada um dos principais ativos de refúgio globais. A recente valorização do dólar deve-se também aos números favoráveis do relatório do emprego nos EUA, relativos ao mês de julho. A criação de quase um milhão de postos de trabalho e a descida da taxa de desemprego para 5,4%, de 5,9% em junho, fomentam gradualmente no seio dos membros da Fed o início do ‘tapering’. É a terceira vez que o par EUR/USD regressa a esta significativa zona de suporte (1,1700 a 1,1738) desde os mínimos de há 10 meses. Atualmente, também há poucas notícias positivas para o euro, com os crescentes casos da variante delta a penalizarem as perspetivas da Zona Euro e o Banco Central Europeu (BCE) a defender a sua política monetária energicamente ‘dovish’, visto que a inflação é considerada transitória por natureza, forçando o BCE a ficar para trás em relação aos demais, sem previsão de aumento das taxas de juro até 2024. Atualmente, a rentabilidade da bund alemã a 10 anos é negativa de -0,50%, indiciando abrandamento económico.

Paulo Monteiro Rosa, 20 de agosto de 2021 in Vida Económica



Economia além da frieza dos números

O ‘nudge’ vem evidenciar a diferença entre economia e finanças. Para muitos a ciência económica mais não é do que ‘frios’ números num balanço empresarial ou nas contas públicas de um país. Em boa verdade é isso e muito mais. A economia é muito mais abrangente do que a maioria de nós julga. A economia é finanças, mas finanças alicerçadas no ‘Ótimo de Pareto’. A economia não é uma soma nula, e o crescimento das minhas contas pessoais, da minha empresa ou do meu país, culminam também em mais crescimento de outras empresas e de outras economias. Todos contribuímos para o bem-estar global até ao ponto em que um de nós (agente económico, empresa ou país) para continuar a crescer isoladamente, e da forma como o faz, obrigatoriamente prejudicará outro. Com ‘nudges’ a apelarem gradualmente para um planeta mais sustentável e para políticas baseadas no ESG (Environmental, Social and Governance), a economia crescerá e o bem-estar das populações, objeto da economia, será cada vez mais elevado. O ‘nudge’ é o elemento agregador e fundamental para um mundo melhor, baseado na maximização do bem-estar através de mais tecnologia, mais emprego, mais energias renováveis, mais cuidados de saúde, nomeadamente para idosos. O ‘nudge’, acrescenta à ciência económica várias dimensões que vão para além da frieza dos números e das finanças.

O conceito “poupe mais amanhã” tem funcionado porque pede às pessoas que façam um compromisso de poupança no futuro, ao invés do consumo imediato, nomeadamente quando tiverem aumentos salariais. A nossa tendência é de valorizar mais as recompensas imediatas em detrimento dos objetivos de longo prazo. Quando se trata de decisões financeiras, a nossa ‘inclinação para valorizar o presente’ pode ter um efeito indesejável. Gastar excessivamente hoje pode reduzir significativamente, e colocar em causa, as nossas poupanças para o futuro. Imaginemos a nossa postura de poupança para a aposentação: é normal que no início das nossas carreiras profissionais, economizar dinheiro para a nossa velhice nos prive de umas férias mais divertidas ou de usufruirmos de mais bens e serviços, por vezes supérfluos. Além disso, nada nos garante que chegaremos a velhos e, por essa razão, é normal que haja uma maior propensão para consumirmos do que para pouparmos.

O nível das taxas de juro dependerá das nossas preferências temporais, e vice-versa. Adiar o consumo depende, em boa parte, do nível das taxas de juro, mas também das benesses dos sistemas de pensões de cada país e de cada economia. Quanto mais elevadas forem as taxas de juro reais, maior será a propensão a poupar, mas o preço do crédito concedido a quem opta por antecipar o consumo será gradualmente mais elevado e desincentivará o investimento, o consumo e, consequentemente, redundará em menor crescimento económico. Acelerar novamente a atividade económica, implica reequilíbrio do mercado monetário, queda das taxas de juro, e, consequentemente, desincentivo à poupança e promoção do investimento e do crescimento económico. Este é o ciclo do crédito e da poupança, entre quem adia e quem antecipa o consumo, e do sobe e desce dos seus preços, ou seja, das taxas de juro.

Porém, quanto mais esperarmos para começarmos a poupar, mais difícil será atingirmos os objetivos de constituição de um cabal ‘pé de meia’, daí a importância do ‘nudging’ no setor financeiro para incentivar as populações, indiretamente, à poupança, independentemente da taxa de juro. Ao contrário das teorias clássicas que assumem um homo economicus (agente económico racional), a teoria ‘nudge’ apresenta um ser humano “normal”, que pode ser “míope” ou “impulsivo”, atribuindo um peso incorreto a resultados de curto prazo [e a procrastinar, adiar e nada fazer] ou então ser um otimista desfasado da realidade. Um agente económico muito mais emocional que racional…  “Infelizmente, quando o sábio aponta para o céu, o tolo olha para o dedo”. Todavia, o nudge procura corrigir processos e comportamentos, alertando a nossa mente para o essencial em detrimento de atitudes e pensamentos enviesados.


Paulo Monteiro Rosa, 6 de agosto 2021 In Vida Económica





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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.