A invasão da Ucrânia pela Rússia aumentou consideravelmente
a incerteza e a volatilidade nos mercados. Nos momentos seguintes ao início da
guerra, a procura por ativos de refúgio foi uma realidade. A cotação do ouro
acelerou a valorização das semanas anteriores ao conflito, refletindo o seu
cunho de reserva de valor, e as obrigações do tesouro das economias mais
robustas apresentaram um bom desempenho, percecionadas pelos investidores como
importantes portos seguros. A principal moeda global, o dólar, também valorizou
como é habitual em alturas de menor liquidez. No entanto, a bitcoin (BTC)
perdeu valor nas horas que se seguiram à invasão e acompanhou de perto a
evolução do mercado acionista, fazendo jus à sua característica de ativo de
risco.
Uma guerra na Europa, em que um dos intervenientes, a par dos EUA,
detém atualmente o maior arsenal nuclear do mundo, seria, talvez, um dos
melhores testes para aferir a cabal reserva de valor de um determinado ativo. A
invasão teve início por volta das 4 horas da manhã do dia 24 de fevereiro, 2h
em Lisboa, e nas horas seguintes, a cotação dos futuros do S&P 500
desvalorizou 2,5% e a BTC caiu 8%, dos 37 mil dólares até aos 34300. Enquanto
isso, o preço do ouro valorizou mais de 3%, dos 1913 até aos 1973 dólares por
onça, o índice do dólar subiu quase 1,5%, de 96,40 até 97,70, o rendimento do
tesouro norte-americano a 10 anos desceu de 1,97% para 1,85%, refletindo uma
valorização dos títulos do governo dos EUA, e a ‘yield’ do bund alemão caiu de
0,23% para 0,12%. Como habitualmente, a dívida pública, o ouro e o dólar foram
os verdadeiros ativos de refúgio perante a crescente incerteza de uma escalada
da guerra. Também como habitualmente, a BTC comportou-se como um ativo de
risco, evoluindo de forma semelhante ao mercado acionista, penalizada pelo
movimento de ‘risk-off’. A exemplo, ao longo de 2018, a BTC desvalorizou 70%,
aquando do primeiro, e único, ‘Quantitative Tightening’ da Reserva Federal dos EUA, ano em
que o S&P 500 perdeu 8%, o pior desempenho desde 2008. A BTC retomou a tendência
de alta na primavera de 2020, impulsionada pelas políticas monetárias
expansionistas, como resposta à crise económica imposta pela covid-19, e
intensificou a subida a partir de novembro, tal como o S&P 500, a espelhar a descoberta de vacinas eficazes contra a covid-19 e diante das boas perspetivas para a recuperação económica da crise ditada pela pandemia.
A agudização das sanções à Rússia no início de março, mais visíveis no fim de
semana de 5 e 6 de março, nomeadamente ao petróleo e ao gás natural russos,
culminando em 8 de março com a proibição de importações norte-americanas de
combustíveis fósseis russos, impulsionou a cotação do ouro até ao máximo de 18
meses, nos 2070 dólares. Mas nesse mesmo período a BTC desceu 14% e o S&P
500 perdeu 230 pontos, ou seja, à volta de 5%. Durante a guerra na Ucrânia, o ouro
tem-se mostrado uma plena reserva de valor, ao contrário da BTC.
Mas se a atual guerra na Ucrânia invalida a BTC como cabal reserva de valor
global, ao nível regional e quando as alternativas financeiras diminuem, a BTC
tende a mitigar as dificuldades monetárias que aparecem pelo caminho. O
controlo de capitais na Ucrânia, com intuito de preservar alguma confiança e
valor à economia de Kiev para financiar a guerra, e o aumento significativo das
sanções ocidentais à Rússia, criaram dificuldades acrescidas aos povos e aos
estados destes países, e as criptomoedas, tais como a BTC, terão acelerado a
sua importância como reserva de valor e moeda de troca nestas geografias.
Quanto maior forem as fragilidades dos sistemas financeiros em determinadas
regiões, maior será a propensão para a adoção de criptomoedas nessas geografias,
talvez mais a BTC que é deflacionista, em detrimento do Ethereum que permanece
inflacionista, apesar da intensão dos desenvolvedores de quererem alterar o protocolo.
No Vietname, os entraves às remessas dos emigrantes, devido ao controlo de
capitais, e a maior propensão ao risco dos vietnamitas, intensifica o uso da
BTC. Os venezuelanos procuram a BTC para contornarem a inflação e a forte
desvalorização da sua moeda. Excesso de burocracias, corrupção, défice crónico
de liberdade, nomeadamente económica, carências de saúde e deficientes sistemas
de educação, contribuem para economias alicerçadas em aparelhos produtivos
desestruturados e hiperinflação, e, consequentemente, frágeis sistemas
financeiros, deficientes sistemas bancários e moedas locais fracas que aumentam
a propensão ao uso da BTC. Todavia, são a economia e o trabalho produtivo que
criam uma moeda forte e a suportam no futuro…
PMR In VE 14 abril 2022
A transversalidade e Universalidade da ciência económica. O objecto de estudo da economia é a maximização do bem-estar do ser humano, mas não deixa de ser em sentido estrito. A ciência económica é mais abrangente. A todos os seres vivos e não vivos. Ver página "descrição do blog".
Since December 25th, 2010
Translate
terça-feira, 19 de abril de 2022
Guerra na Ucrânia invalida Bitcoin como reserva global de valor
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Páginas do Blog "Omnia Economicus"
Arquivo do blogue
-
▼
2022
(56)
-
▼
abril
(9)
- Literacia financeira suporta mercados
- A Bitcoin e a pirâmide das necessidades de Maslow
- Guerra na Ucrânia invalida Bitcoin como reserva gl...
- Juros penalizam bolsas - A curva de rendimentos no...
- 24 de fevereiro: o antes e o depois
- Quo vadis, BCE?
- Rendas de casa impulsionam inflação
- Inflação suporta mercados
- Fed prepara redução do balanço
-
▼
abril
(9)
Seguidores
Economista
- Paulo Monteiro Rosa
- Naturalidade Angolana
- Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.
Sem comentários:
Enviar um comentário