À medida que a inflação se agrava, e após uma primeira subida de 25 pontos base, a Reserva Federal dos EUA (Fed) deverá, nas próximas semanas, apresentar um plano para a redução do seu balanço. O banco central dos EUA mais do que duplicou o seu balanço desde o início da pandemia, em março de 2020, uma subida de 4,8 biliões de dólares, de forma a enfrentar a recessão económica ditada pelo confinamento na primavera desse ano. Um plano final do quantitative tightening (QT) poderá ser apresentado em 4 de maio, data da próxima reunião do banco central dos EUA.
Diante da elevada inflação, o ritmo de contração do balanço poderá ser, agora,
mais rápido do que o registado no QT do período de 2017 a 2019, a única
experiência anterior do mercado com uma Fed em missão de redução de ativos. O
aperto de liquidez foi encerrado em 1 de agosto de 2019, aquando da primeira
descida de juros da Fed em 11 anos de 2,50% para 2,25%, numa altura em que a
curva de rendimentos dos EUA tinha invertido nos 3 meses e nos dois anos
relativamente aos 10 anos, indiciando recessão económica. Durante o ano de 2018,
o balanço da Fed encolheu 8,4% e o S&P 500 desvalorizou 6,2%, a maior queda
desde a grande recessão.
A 16 de setembro de 2019, o pagamento trimestral de impostos pelas empresas e a
liquidação de uma emissão de dívida pública norte-americana retiraram cerca de
120 mil milhões de dólares do mercado monetário diretamente para a conta geral
do tesouro dos EUA junto da Fed. A drenagem desta liquidez criou dificuldades
no mercado monetário, nomeadamente no de recompra, conhecido por mercado de
‘repos’. Os bancos que compram títulos da dívida pública em leilões financiam-nos,
grande parte das vezes, através do mercado de recompra. No dia 17 de setembro,
a taxa de juro de financiamento Overnight com garantia (SOFR - Secured
Overnight Financing Rate) mais do que duplicou e atingiu os 5,25%, muita acima
do intervalo das Fed Funds Rate de [2% a 2,25%]. Ficou claro nessa altura que
os bancos voltaram a estar renitentes em emprestarem dinheiro entre si. Nesse
mesmo dia, a Fed regressou ao mercado de ‘repos’, substitui-se aos bancos
comerciais que detinham fundos, forneceu a liquidez necessária e continuou a
fazê-lo todas as manhã até junho de 2020, implementando um QE informal
espelhado numa subida de quase 10% do seu balanço nos três meses seguintes até
ao final do ano. No dia 19 de setembro de 2019, a Fed voltou a cortar as taxas
de juro em 25 pontos, justificando a postura com receios de desaceleração
económica.
Atualmente, a saída da Fed como o principal comprador de
títulos do tesouro ameaça agravar as condições dos mercados de taxas de juro,
já de si fragilizados pelos grandes bancos norte-americanos que limitam a sua
formação de preços no mercado, comportamento que poderá ser responsável pela mais
recente volatilidade. As obrigações do tesouro norte-americano registam o pior
trimestre das últimas décadas. Quando a liquidez é baixa no mercado de dívida,
as transações concentram-se mais nas emissões de referência (on-the-run) e o
spread alarga-se relativamente às restantes emissões (off-the-run) dessa mesma
maturidade, impulsionando ainda mais as ‘yields’. Ademais, o mercado espera uma
subida de 50 pontos em cada uma das três próximas reuniões da Fed e uma subida
de 25 pontos nas restantes três reuniões, finalizando o ano no intervalo [2,50%
a 2,75%].
Os ativos no balanço da Fed somam cerca de 9 biliões de
dólares, incluindo 5,7 biliões em títulos do tesouro e 2,7 biliões em títulos
garantidos por hipotecas. O Comité Consultivo de Empréstimos do Tesouro
(Treasury Borrowing Advisory Committee), um painel dos principais investidores
em obrigações que reúne trimestralmente com o Departamento do Tesouro, no
início de fevereiro estimou uma contração de 320 mil milhões de dólares na
carteira de títulos da Fed este ano. Mas isso foi antes de Powell salientar uma
ação mais rápida para conter a mais grave inflação em quatro décadas. A
previsão do Deutsche Bank, no lado mais ‘hawkish’ do espectro de projeções,
estima 800 mil milhões de redução este ano e 1,1 biliões de dólares em 2023. No
balanço da Fed existem quase 1,2 biliões de dólares em títulos do tesouro que
expiram nos próximos 12 meses e a não renovação reduziria o balanço nesse
montante, mas a Fed pode preferir controlar a curva de rendimentos. Salientar
que hoje os bancos têm uma significativa liquidez de 5,6 biliões em reservas e
a pressão é menor do que em setembro de 2019, altura em que as reservas tinham
diminuído para 1,5 biliões de 2,5 biliões no início do QT. Todavia, os bancos não são obrigados a emprestar...
PMR, 1 de abril 2022 In VE
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