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sexta-feira, 1 de abril de 2022

Rendas de casa impulsionam inflação

Nos EUA, o preço médio de venda de uma casa foi de 346.900 dólares em 2021, um aumento de 16,9% em relação a 2020, e o mais elevado desde 1999, de acordo com a Associação Nacional de Corretores Imobiliários (National Association of Realtors, NAR). As vendas de casas tiveram o ano mais forte desde 2006, com 6,12 milhões de casas vendidas, um aumento de 8,5% em relação ao ano anterior. Umbilicalmente correlacionados, os custos dos arrendamentos de casas unifamiliares cresceram 12% em 2021, um recorde histórico, de acordo com a CoreLogic. Arrendar uma casa é cada vez mais difícil.

 

A inflação das rendas foi particularmente mais elevada nos alugueres de residências unifamiliares, justificada pela pandemia de Covid-19 que impulsionou a procura de moradias. Os alugueres unifamiliares oferecem espaço ao ar livre (uma segurança acrescida para evitar a covid-19), mais espaço para trabalhar em casa e melhores acomodações para animais de estimação.

 

A forte procura de casas foi encorajada pela descida das taxas de juro e pelos cheques do governo, que elevaram o rendimento disponível dos norte-americanos, permitindo maior capacidade aquisitiva. O balanço da Reserva Federal dos EUA (Fed) aumentou cerca de 115% desde a primavera de 2020 e as taxas de juro desceram para perto de zero e aí se mantiveram durante quase dois anos. A enérgica expansão do balanço da Fed, alicerçada na compra de títulos da dívida pública norte-americana e títulos garantidos por hipotecas (MBS), impulsionou os valores desses títulos e, consequentemente, baixou significativamente os rendimentos das obrigações, das taxas de juro e das taxas de hipoteca. A considerável redução dos custos de financiamento alavancou a compra de casa, num contexto acelerado também pela pandemia.

 

Apesar de boa parte do novo dinheiro criado pela Fed ter permanecido em reservas bancárias e dificilmente ter alcançado diretamente famílias e empresas, a nova moeda não foi neutra quando entrou na economia e os grandes bancos, denominados de ‘primary dealers’, foram os primeiros a recebê-la. A não neutralidade da moeda já havia sido referida há três séculos pelo economista francês Richard Cantillon. Se a moeda criada pelos bancos centrais tivesse sido neutra, todos os agentes económicos receberiam proporcionalmente a mesma quantidade de moeda e haveria uma correspondência muito maior entre moeda criada e aumento da inflação de preços. A teoria quantitativa da moeda (denominada pela identidade MV=PT, que iguala o produto da massa monetária e da sua velocidade de circulação com produto dos preços e o volume produzido) dar-nos-ia uma visão mais linear deste processo de criação de moeda e correspondente aumento da inflação, se existisse neutralidade da moeda. Assim sendo, a nova moeda criada, em grande parte retida como reservas bancárias, impulsionou os mercados obrigacionistas, baixou as taxas de juro, reduziu as alternativas de investimento, sustentou a robusta subida dos mercados acionistas, suportou os mercados imobiliários, a subida dos preços das casas e, consequentemente, dos preços dos alugueres.

 

Em fevereiro, a inflação nos EUA subiu 7,9% em termos homólogos e o ‘shelter’ (rendas de casa e equivalente dos proprietários de imóvel) representou 20% dessa subida. O ‘shelter’ pesa um terço na formação do índice de preços no consumidor (IPC) norte-americano e é constituído pelos custos das rendas de casas de quem aluga, este item pesa 25%, e pelo montante a que os proprietários de casa própria estariam dispostos a alugar o seu imóvel, um peso de 75%. Relativamente a janeiro, a categoria ‘shelter’ subiu em fevereiro 0,56%, o ritmo mais elevado desde o início de 1980, em termos anualizados uma alta de 6,7%. E em termos mensais, o ‘shelter’ foi responsável por 25% da subida de preços.

 

Embora a decisão da Fed, na semana passada, de começar a aumentar as taxas de juros possa diminuir a procura, o banco central não pode fazer muito quanto à falta de oferta. O stock de casas à venda em todo o país caiu para um valor historicamente baixo de 860.000 casas em dezembro, de acordo com a NAR. O aumento das rendas e dos preços das moradias leva tempo até estar totalmente incorporado no IPC. O aumento das rendas de casa tem, nos últimos anos, um desfasamento de cerca de 16 meses no indicador de inflação, de acordo com uma análise do Conselho de Assessores Económicos da Casa Branca. Tal como os receios de uma espiral salários-inflação, existe também preocupação quanto a uma espiral rendas-inflação.

 

PMR, 25 de março VE


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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.