Nos EUA, o preço médio de venda de uma casa foi de 346.900
dólares em 2021, um aumento de 16,9% em relação a 2020, e o mais elevado desde
1999, de acordo com a Associação Nacional de Corretores Imobiliários (National
Association of Realtors, NAR). As vendas de casas tiveram o ano mais forte
desde 2006, com 6,12 milhões de casas vendidas, um aumento de 8,5% em relação
ao ano anterior. Umbilicalmente correlacionados, os custos dos arrendamentos de
casas unifamiliares cresceram 12% em 2021, um recorde histórico, de acordo com
a CoreLogic. Arrendar uma casa é cada vez mais difícil.
A inflação das rendas foi particularmente mais elevada nos
alugueres de residências unifamiliares, justificada pela pandemia de Covid-19
que impulsionou a procura de moradias. Os alugueres unifamiliares oferecem
espaço ao ar livre (uma segurança acrescida para evitar a covid-19), mais
espaço para trabalhar em casa e melhores acomodações para animais de estimação.
A forte procura de casas foi encorajada pela descida das
taxas de juro e pelos cheques do governo, que elevaram o rendimento disponível
dos norte-americanos, permitindo maior capacidade aquisitiva. O balanço da
Reserva Federal dos EUA (Fed) aumentou cerca de 115% desde a primavera de 2020
e as taxas de juro desceram para perto de zero e aí se mantiveram durante quase
dois anos. A enérgica expansão do balanço da Fed, alicerçada na compra de
títulos da dívida pública norte-americana e títulos garantidos por hipotecas
(MBS), impulsionou os valores desses títulos e, consequentemente, baixou
significativamente os rendimentos das obrigações, das taxas de juro e das taxas
de hipoteca. A considerável redução dos custos de financiamento alavancou a
compra de casa, num contexto acelerado também pela pandemia.
Apesar de boa parte do novo dinheiro criado pela Fed ter
permanecido em reservas bancárias e dificilmente ter alcançado diretamente
famílias e empresas, a nova moeda não foi neutra quando entrou na economia e os
grandes bancos, denominados de ‘primary dealers’, foram os primeiros a
recebê-la. A não neutralidade da moeda já havia sido referida há três séculos
pelo economista francês Richard Cantillon. Se a moeda criada pelos bancos
centrais tivesse sido neutra, todos os agentes económicos receberiam
proporcionalmente a mesma quantidade de moeda e haveria uma correspondência
muito maior entre moeda criada e aumento da inflação de preços. A teoria
quantitativa da moeda (denominada pela identidade MV=PT, que iguala o produto
da massa monetária e da sua velocidade de circulação com produto dos preços e o
volume produzido) dar-nos-ia uma visão mais linear deste processo de criação de
moeda e correspondente aumento da inflação, se existisse neutralidade da moeda.
Assim sendo, a nova moeda criada, em grande parte retida como reservas
bancárias, impulsionou os mercados obrigacionistas, baixou as taxas de juro,
reduziu as alternativas de investimento, sustentou a robusta subida dos
mercados acionistas, suportou os mercados imobiliários, a subida dos preços das
casas e, consequentemente, dos preços dos alugueres.
Em fevereiro, a inflação nos EUA subiu 7,9% em termos homólogos
e o ‘shelter’ (rendas de casa e equivalente dos proprietários de imóvel)
representou 20% dessa subida. O ‘shelter’ pesa um terço na formação do índice
de preços no consumidor (IPC) norte-americano e é constituído pelos custos das
rendas de casas de quem aluga, este item pesa 25%, e pelo montante a que os
proprietários de casa própria estariam dispostos a alugar o seu imóvel, um peso
de 75%. Relativamente a janeiro, a categoria ‘shelter’ subiu em fevereiro
0,56%, o ritmo mais elevado desde o início de 1980, em termos anualizados uma
alta de 6,7%. E em termos mensais, o ‘shelter’ foi responsável por 25% da
subida de preços.
Embora a decisão da Fed, na semana passada, de começar a
aumentar as taxas de juros possa diminuir a procura, o banco central não pode
fazer muito quanto à falta de oferta. O stock de casas à venda em todo o país
caiu para um valor historicamente baixo de 860.000 casas em dezembro, de acordo
com a NAR. O aumento das rendas e dos preços das moradias leva tempo até estar
totalmente incorporado no IPC. O aumento das rendas de casa tem, nos últimos
anos, um desfasamento de cerca de 16 meses no indicador de inflação, de acordo
com uma análise do Conselho de Assessores Económicos da Casa Branca. Tal como
os receios de uma espiral salários-inflação, existe também preocupação quanto a
uma espiral rendas-inflação.
PMR, 25 de março VE
Sem comentários:
Enviar um comentário