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terça-feira, 29 de novembro de 2022

Da Grande Recessão à Guerra na Ucrânia

A Grande Recessão de 2008 e 2009, ditada pela crise do imobiliário nos EUA, conhecida como crise do “subprime” devido aos seus contornos, marcou a maior contração da economia norte-americana desde a Grande Depressão de 1929. A dimensão da economia dos EUA, a maior do mundo, e a venda de ativos relacionados com o imobiliário norte-americano a muitas instituições financeiras globais estendeu a crise ao resto do mundo. A crescente instabilidade financeira a nível global espoletou várias crises latentes, desde a crise imobiliária no Dubai à crise das dívidas soberanas na Zona Euro. Portugal foi um dos países mais afetados, penalizado pela sua elevada dívida pública e falta de competitividade, acabando resgatado pela “Troika” (FMI, BCE e União Europeia) em abril de 2011. Os bancos centrais encetaram políticas monetárias significativamente expansionistas para mitigaram os efeitos da crise financeira de 2008, adotando em muitos casos ferramentas não convencionais, tais como o “Quantitative Easing” (QE). A Reserva Federal dos EUA iniciou oficialmente o seu QE em março de 2009, instrumento também adotado pelo BCE, mas mais tarde, no início de 2015. Inicialmente, o banco central da Zona Euro, uma instituição mais conservadora, tentou debelar não só a crise financeira, mas também a crise das dívidas soberanas na Zona Euro, munindo-se de uma política monetária expansionista focada em empréstimos de longo prazo (LTRO), fornecendo a liquidez necessária ao sistema financeiro e salvaguardando o euro e a coesão da União Europeia. O BCE juntar-se-ia a vários outros bancos centrais na adoção de um QE, em 22 de janeiro de 2015, devido às crescentes preocupações com uma inflação demasiadamente baixa. O Banco Nacional da Suíça (BNS), antecipando esta nova postura inflacionista do BCE, surpreendeu os mercados no dia 15 de janeiro de 2015 com o abandono do câmbio fixo de 1,20 francos suíços por cada euro. O BNS mantinha esta política há vários anos para travar a valorização da sua moeda e manter a sua competitividade cambial via preço, comprando euros e vendendo francos suíços, impedindo a apreciação da moeda helvética, mas resultando num considerável aumento do seu balanço, multiplicando cerca de cinco vezes desde 2008, causador de um crescente desconforto nas autoridades monetárias suíças. É a tríade impossível, não sendo possível em livre circulação de capitais deter em simultâneo controlo sobre o câmbio [fixo] e sobre a política monetária.

Estas políticas expansionistas foram sendo gradualmente revertidas. A Fed nos EUA iniciou uma postura restritiva em dezembro de 2015 com uma subida da taxa de juro em 25 pontos base e um “
Quantitative Tightening” (QT) em outubro de 2017. Entretanto, o ano de 2018 foi negativo para os mercados financeiros, o S&P 500 desvalorizou 6,24%. O desconforto dos mercados com a política contracionista era cada vez mais evidente. A desaceleração económica era uma realidade, apesar de a taxa de desemprego se manter resiliente, alcançando o pleno emprego de 3,5% em 2019, mas mesmo assim a Fed optou por terminar o QT em julho e descer a taxa de juro no dia 1 de agosto pela primeira vez desde 2008. No verão de 2019 a inclinação da curva de rendimentos norte-americana passou a ser negativa, indiciando uma recessão. As dificuldades de liquidez eram visíveis no mercado de “repos”, sobretudo no dia 17 de setembro. As taxas de juro dos bilhetes do tesouro a 3 meses dos EUA eram superiores às dos rendimentos do tesouro a 10 anos, bitola utilizada pela Fed para prever recessões, indicando uma recessão com uma probabilidade de 40% a 12 meses de vista. Recessão essa que viria mesmo a acontecer, ainda que por uma razão desconhecida em 2019, na primavera de 2020 e imposta pela pandemia de covid-19. As bolsas desvalorizaram acentuadamente em março, tendo os bancos centrais fornecido a liquidez necessária à economia e aos mercados, penalizados pelo confinamento geral e pela paralisação da atividade. Taxas de juro próximas de zero e um regresso dos QE impulsionaram novamente os mercados financeiros, nomeadamente as cotações das ações e das obrigações, dando lugar ao fator TINA e ao FOMO, favorecendo também o imobiliário e os criptoativos. As grandes tecnológicas norte-americanas, mais sensíveis às taxas de juro, beneficiando também do teletrabalho e do ensino à distância, lideraram os ganhos, que seriam reforçados pela descoberta de uma vacina contra a covid-19 em novembro de 2020. Todavia, a par da gradual reabertura da economia em 2021, surgiram também dificuldades nas cadeias de abastecimento, desde os normais “bottlenecks” ditados pela paralisação aos açambarcamentos, agravadas também pela crescente crise energética. A inflação apareceu ainda em 2021 e ameaçou generalizar-se, mas viria a ser a invasão russa da Ucrânia a determinar o surgimento da inflação mais elevada das últimas três ou quatro décadas.


PMR In VE 29 novembro 2022



sexta-feira, 25 de novembro de 2022

“Água o deu, água o levou”, as FAAMG

FAAMG é uma abreviação cunhada pela Goldman Sachs para as ações das grandes empresas tecnológicas norte-americanas: Facebook, Apple, Amazon, Microsoft e Google. Estas cinco empresas representam cerca de 50% do valor do Nasdaq 100 (índice com 100 empresas) e pesam à volta de 20% no S&P 500 (índice composto por 500 empresas). Quanto maior forem as alterações nas cotações destas ações, muito sensíveis às taxas de juro e ao dólar norte-americano, maior será a volatilidade do Nasdaq 100 e do S&P 500. Como multinacionais têm uma parte dos seus lucros fora dos EUA, logo a conciliação de todos os seus resultados em dólares (receitas e lucros) é influenciada pela cotação da moeda norte-americana. Um dólar mais forte diminuirá as receitas vindas do exterior e vice-versa. Quanto à maior sensibilidade às taxas de juro por parte das FAAMG, é importante referir que à medida que a taxa de juro aumenta os cash flows futuros valem cada vez menos e quanto mais longínquos menos valem. As empresas tecnológicas são estilo crescimento (growth), cujos lucros esperados são mais elevados para os períodos mais afastados, em contraposição às empresas de valor (value), menos sensíveis aos juros. As empresas tecnológicas têm mais duration, ou seja, são mais sensíveis ao juros. A duration é um termo utilizado na negociação no mercado obrigacionista e descreve a sensibilidade da cotação de uma obrigação a uma alteração dos juros, e as empresas tecnológicas têm em média mais duration do que as restantes empresas. As obrigações com datas de vencimento mais longas têm uma duration mais elevada.

Sobretudo na segunda metade de 2020 e em 2021, as FAAMG foram impulsionadas pela enérgica postura expansionista da Reserva Federal dos EUA, política monetária refletida por taxas de juro de quase zero e duplicação do balanço do banco central dos EUA, bem como pelo work/learning at home ditado pela pandemia. Grande parte do trabalho em casa e do ensino à distância foi suportado pelas tecnologias fornecidas pelas FAAMG. Em quase dois anos as FAAMG valorizaram 100% e ajudaram o S&P 500 a ganhar 50% nesse mesmo período. Todavia, com o fim da pandemia e com o regresso ao trabalho e ao ensino presencial, terminou também grande parte do work/learning at home. Para travar a elevada inflação impulsionada pela reabertura da economia, pela crise energética, pelo aumento dos preços dos produtos agrícolas e dos metais industriais, pela política expansionista da Fed em 2020 e 2021, pelos acréscimos de poupanças e pelas dificuldades nas cadeias de abastecimento (desde açambarcamentos às cartelizações), a Reserva Federal dos EUA subiu significativamente as taxas de juro. Atualmente o rendimento da obrigação do tesouro dos EUA a 2 anos (yield US a 2 anos) é de 4,50%. A subida dos juros além de ter penalizado as projeções para os cash flows futuros das FAAMG, impulsionou também o dólar, contribuindo para a fraca performance das grandes tecnológicas. Entretanto, as FAAMG perderam tudo o que ganharam desde o início de 2020, mas a aproximação de uma taxa de juro terminal da Fed, permitindo novamente exposição a duration, bem como a potencial reversão da tendência de alta do dólar, o futuro da computação em nuvem e o crescente teletrabalho, podem voltar a impulsionar as FAAMG. Todavia, as FAAMG devido à sua crescente dimensão viverão sempre sob a ameaça de um desmembramento, à semelhança do que aconteceu à indústria petrolífera de Rockfeller em 1911. Em suma, atualmente há os índices com FAAMG e os índices sem FAAMG, estes últimos com melhor desempenho desde o início de outubro. Por exemplo, a correlação entre o Dow Jones e o S&P 500 tinha sido quase 'perfeita' nos últimos 12 meses, mas descorrelacionou há mês e meio, mais acentuadamente depois dos resultados desfavoráveis das FAAMG no final de outubro. Entretanto, qualquer melhoria impulsionará os mercados. Qualquer surpresa positiva, quanto a uma desaceleração dos juros, vinda dos números 
da inflação norte-americana ou do emprego dos EUA em dezembro, bem como de uma postura menos hawkish da Fed, poderão impulsionar novamente as FAAMG.

PMR in JdN 24 novembro 2022




O dilema emprego/inflação. Como resolvê-lo?

Considerando que a propensão marginal ao consumo diminui à medida que os rendimentos aumentam, também a inflação tende a ser cada vez menos influenciada pelos rendimentos à medida que estes vão aumentando. A inflação é determinada pelos rendimentos que procuram os bens e serviços que compõe o cabaz subjacente ao índice de preços no consumidor. Esse cabaz é flexível, ou seja, quando os seus bens e serviços ficam mais caros são habitualmente substituídos por sucedâneos sempre que possível. E os sucedâneos não são procurados pelos rendimentos mais elevados. Além de que as pessoas com rendimentos altos são poucas, logo insuficientes para influenciarem os preços. Portanto a inflação não é determinada pelos rendimentos elevados, quer eles sejam salários, juros, rendas ou lucros.


Na ciência económica existe um “trade-off”, nomeadamente no curto prazo, entre desemprego e inflação, evidenciado em vários estudos, sobretudo na curva de Phillips. As políticas económicas expansionistas, orçamentais ou monetárias, adotadas pelas autoridades, aumentam a procura agregada e diminuem o desemprego, mas tendencialmente à custa de uma inflação mais alta. Por outro lado, se as autoridades implementarem políticas económicas restritivas, contraindo a procura agregada, tal como acontece atualmente, a inflação tende a diminuir, mas à custa de uma taxa de desemprego temporariamente mais elevada.

O dilema persiste e penaliza mais a população assalariada e com vínculos laborais mais precários, bem como pequenas empresas familiares, cujos negócios estejam mais dependentes do ciclo económico e mais focados em bens discricionários ou na prestação de serviços menos essenciais e sem “princing power” (poder de fixação de preços). A inflação diminui o rendimento real de todas as famílias, sendo uma das variáveis macroeconómicas mais adversas. Todavia, o aumento da taxa de desemprego, para travar a elevada inflação, não afeta todos equitativamente, penalizando mais os trabalhadores jovens, sobretudo na Europa onde a antiguidade é relevante, cujos vínculos laborais sejam mais precários ou que trabalhem em setores mais afetados pelo ciclo económico, penalizando também empresas que produzam bens e serviços menos essenciais.

A situação da maior parte da população já é difícil diante da elevada inflação, mas é mais grave ainda para as famílias que contraíram empréstimos, nomeadamente crédito à habitação, devido ao aumento dos juros pelos bancos centrais, subida essa dos juros que poderá culminar numa recessão, aumentando o desemprego. O BCE penaliza a dívida, mas esta, desde que equilibrada, é importante no impulso da atividade económica, permitindo o financiamento de bons projetos e impedindo que investimentos interessantes fiquem na gaveta, promovendo os avanços tecnológicos e o crescimento económico. Voltando aos que têm vínculos laborais mais precários, muitas vezes os mais jovens e que contraíram empréstimos, são eles os mais afetados pela elevada inflação, sendo penalizados pela alta dos preços, pela subida dos juros e pelo aumento do desemprego. Isto porque os bancos centrais procuram ajustar a procura agregada à menor oferta agregada. Não poderia ser diferente? Um maior empenho no aumento da oferta agregada, uma cabal investigação dos açambarcamentos, muitas vezes na origem dos “bottlenecks”, uma política fiscal mais eficiente no início da cadeia de valor capaz de mitigar ou anular a generalização da inflação, uma maior fiscalização da cartelização, uma promoção do comércio internacional, um aumento das competências do capital humano, uma maior independência energética. Não nos limitarmos apenas a esperar pela atuação dos estabilizadores automáticos em caso de recessão.

Antes da pandemia, a economia estava em equilíbrio no ponto A. Entretanto, as dificuldades nas cadeias de abastecimento, durante e depois da pandemia, diminuíram a oferta, penalizando o crescimento económico, deslocando a curva da oferta agregada para a esquerda (de AS1 para AS2), sendo o novo equilíbrio no ponto B, um crescimento menor e uma inflação mais elevada. Entretanto, as políticas monetárias recessivas dos bancos centrais, espelhadas em significativos aumentos das taxas de juro, que procuram travar a elevada inflação, prometem desacelerar acentuadamente o crescimento económico e aumentar a probabilidade de recessão. Estas políticas dos bancos centrais travam o consumo, deslocando a curva da procura agregada para esquerda (de AD1 para AD2), do ponto B para o ponto C. Ao atual cenário de potencial recessão poder-se-á seguir uma recessão refletida no ponto C, uma inflação mais baixa, mas à custa do aumento do desemprego e de um crescimento menor.

Os juros mais elevados penalizam tanto o consumo como o investimento, existindo também em vários países uma consolidação orçamental e uma redução do rácio da dívida pública face ao PIB nominal, aproveitando a elevada inflação. Tem sido insuficiente a política fiscal no início da cadeia de valor, mitigando muito pouco a elevada inflação, maioritariamente do lado da oferta, energética e importada. Os impostos deveriam ser visivelmente mais baixos a montante da cadeia de valor. O que existe atualmente é uma relativa transferência de riqueza do setor privado para o setor público, um claro efeito crowding-out que penaliza o crescimento económico. Se as políticas recessivas das autoridades monetária e orçamental fossem mais moderadas, estimulando-se também a oferta agregada e controlando-se os açambarcamentos e as cartelizações, o ponto A poderia ser recuperado novamente. Ou seja, ao cenário inicial no ponto A, e ao seguinte no ponto B devido à pandemia, seguir-se-ia o ponto C, idêntico ao ponto A. A procura agregada manter-se-ia a mesma (AD1) e a oferta agregada também (depois de ser ter deslocado do ponto A para o B e por último para o ponto C, regressando novamente ao ponto A).    

PMR in VE 23 novembro 2022






terça-feira, 22 de novembro de 2022

Quando a energia sobe, tudo aumenta, mas alguns lucram

As dificuldades nas cadeias de abastecimento e a transição energética impulsionaram os preços do gás natural e da eletricidade no último trimestre de 2021, subida essa que acelerou bastante mais com a guerra na Ucrânia. O conflito no leste da Europa aumentou significativamente os preços dos combustíveis fósseis, nomeadamente do petróleo e do gás natural, e também os preços dos alimentos. A crise energética está na génese da atual elevada inflação europeia. Os preços da energia respondem na Europa por cerca de metade do aumento da inflação. É, deste modo, uma inflação sobretudo do lado da oferta, refletida numa inflação importada, impulsionada pela dependência energética da Europa. E, no entanto, a frágil confiança do consumidor europeu impediu que a inflação fosse mais elevada, estimulada pelo lado da procura.

Em Portugal a inflação tem contornos semelhantes. No início começou por ser uma inflação predominantemente do lado da oferta e impulsionada pela dependência energética portuguesa do exterior. Entretanto, os açambarcamentos agravaram ainda mais as dificuldades nas cadeias de abastecimento e as poupanças ditadas pelo menor consumo, durante os confinamentos impostos pela pandemia, permitiram manter uma procura relativamente resiliente face à menor oferta, impulsionando os preços dos bens e serviços.

O aumento dos preços a montante da cadeia de valor, ou seja, no início da atividade económica nos setores primário e extrativo, desde os combustíveis fósseis aos metais industriais e aos produtos agrícolas, tem pressionado gradualmente todos os restantes preços de bens e serviços a jusante da cadeia de valor, generalizando a inflação. Esta alta dos índices de preços é cada vez mais persistente e tem sido alimentada também pela resiliência do consumo, suportado pelas poupanças proporcionadas pelo confinamento ditado pela pandemia, numa fase inicial, e pelo crédito ao consumo nesta fase atual e final. Assim sendo, a inflação estará muito perto do seu ponto de inflexão em Portugal, devendo abrandar à medida que o dinheiro das famílias escasseia, a procura diminui e, consequentemente, as empresas apresentem maior dificuldade em repassar os seus custos aos clientes. Na realidade, os preços dos combustíveis fósseis respondem por cerca de metade do aumento da inflação na Europa, mas indiretamente a alta dos preços do petróleo, do gás natural e da eletricidade são “inputs” e custos de todos os bens e serviços de uma economia. Assim, a inflação generaliza-se e é cada vez mais “core”, ou seja, propaga-se a todos os bens e serviços para lá da energia e dos alimentos. Alguns agentes económicos procuram lucrar com ela, por vezes através de hábeis e nefastos açambarcamentos, conseguindo manter o aumento de preços enquanto existir poder de compra que os sustente. Os governos também têm aproveitado a elevada inflação para diminuírem o rácio da dívida pública face ao PIB nominal.

No entanto, a elevada inflação nas economias avançadas é habitualmente conjuntural e tende a ser passageira, sobretudo devido ao excesso de capacidade instalada que permite excedentes da oferta, apenas limitados por eventuais dificuldades nas cadeias de abastecimento, açambarcamentos, dependência energética do exterior e escassez de matérias-primas essenciais à produção, mas estas variáveis tendem a regularizar-se mais cedo ou mais tarde. Todavia, os bancos centrais não esperam por essa regularização e adotam uma postura de aumento das taxas de juro sempre que a inflação aumenta acima dos níveis desejados e se torna persistente, mas o insucesso dessa política será tanto maior, quanto mais do lado da oferta for essa mesma inflação e vice-versa. Combater uma inflação que na Europa, e em Portugal, é eminentemente do lado da oferta e é inflação importada, culminará provavelmente numa forte desaceleração da economia ou mesmo numa recessão. Mas nada fazer, no caso do BCE, também penalizaria o euro, diante de uma política decididamente restritiva da Reserva Federal dos EUA.

A atual inflação na Europa, e em Portugal, é um problema de menor oferta e deveria ser necessariamente também desse lado que as políticas deveriam incidir e não se limitarem apenas à política monetária e à destruição da procura. As autoridades responsáveis dever-se-iam preocupar em aumentar a oferta. Aliás, as taxas de juro mais elevadas prometem não só diminuir a procura agregada, ajustando o já frágil consumo à menor oferta, mas penalizar também o investimento das empresas, limitando ainda mais a oferta. Todo este contexto alimentará menores oferta e procura agregadas, culminando muito provavelmente numa recessão. No entanto, os países exportadores de petróleo registam robustos crescimentos do PIB e… quem açambarcou, lucrou.

PMR in VE 18 novembro 2022



A importância da escala logarítmica num gráfico

Num estudo ou análise de um gráfico, quanto maior é o período de tempo, a volatilidade ou a taxa de crescimento de determinado ativo financeiro ou indicador económico, sobretudo o PIB, maior é a necessidade de se utilizar um gráfico corrigido pela função logarítmica. É importante usar um gráfico com uma escala logarítmica, em vez de linear, melhorando, assim, a perceção da realidade, nomeadamente das cotações de ações de empresas bastante voláteis ou que apresentem crescimentos acentuados, como é o caso das ações de empresas tecnológicas, ou no estudo da evolução do PIB de um país, sobretudo no longo prazo e que exiba taxas de crescimento elevadas.

Por exemplo, na análise dos crescimentos económicos dos últimos 50 anos nos EUA ou na China, países que apresentam consideráveis ritmos de crescimento do PIB, nomeadamente o país asiático, num gráfico normal, isto é, de escala linear, os valores dos primeiros anos são muito pouco percetíveis, aparentando mesmo uma economia estagnada, mas os últimos anos mostram crescimentos económicos cada vez mais robustos. No longo prazo e perante rápidos crescimentos, a configuração de um gráfico linear apresenta-se exponencial, estando a base sempre a aumentar, caso da evolução de um PIB de uma economia robusta, excetuando períodos de recessão.  

O PIB real chinês de 15,8 biliões de dólares em 2021 é dobro dos 7,55 biliões em 2010, logo o atual crescimento económico de 5% representa um acréscimo de riqueza de 10% em 2010. Em suma, atualmente a China precisa de crescer apenas metade do que crescia em 2010, para ter o mesmo acréscimo de bens e serviços. O PIB real dos EUA (ano base 2012) quadruplicou desde o início da década de 1970 até ao final de 2021, de 5 biliões para 20 biliões de dólares. Nesse mesmo período, o PIB real da China (ano base 2015) aumentou 81 vezes, de 194,5 mil milhões para 15,8 biliões de dólares, ou seja, a produção de bens e serviços na China aumentou 81 vezes.
Este crescimento é muito maior em termos nominais, calculado a partir dos preços e valores de determinado produto ou serviço, isto é, incluindo a inflação. O PIB nominal dos EUA aumentou 23 vezes de 1970 a 2021, de 1 bilião de dólares para 23 biliões. Nesse mesmo período, o PIB nominal chinês aumentou 221 vezes, de 79,7 mil milhões de dólares para 17,73 biliões, mais visível e acentuado após a chegada de Deng Xiaoping ao poder em 1978 e com a entrada da China no OMC em 2001.

O PIB nominal, ou seja, a preços correntes, tem em conta a inflação, sendo determinado pelos preços de todos os bens e serviços produzidos. O PIB real, ou seja, a preços constantes, não considera o efeito da inflação, representando o volume físico de todos os bens e serviços produzidos num ano. Se a função logarítmica ajuda muito na interpretação de um gráfico do PIB real, muito mais auxilia num gráfico ainda mais inclinado como o do PIB nominal.

E os índices acionistas são nominais, ou seja, incluem também a inflação, representando alguns o PIB da sua região, ainda que de forma insuficiente, como o S&P 500 nos EUA, onde uma análise com um gráfico logarítmico é mais fiável. Os gráficos logarítmicos diferem das escalas de preços lineares porque exibem pontos percentuais e não aumentos de preços por ação ou pontos no caso de um índice. Por exemplo, um aumento de €100 para €200 é igual a uma subida de €200 para €400 em termos percentuais, uma alta de 100%. Se as receitas de uma empresa duplicam anualmente, então essas mesmas receitas quadruplicam em dois anos. As receitas da Apple aumentaram 28 vezes desde 2005, os lucros e a cotação subiram ambos 75 vezes nesse mesmo período. Então, é mais percetível a visualização da evolução das cotações num gráfico logarítmico. 


PMR In Jornal de Negócios 18 novembro 2022




quarta-feira, 9 de novembro de 2022

O investimento em ações não é um jogo


Em Portugal é comumente aceite a afirmação de que os mercados acionistas são um jogo. É certo de que no curto prazo poderá parecer para muitos um jogo, devido à volatilidade ditada pela inúmera informação divulgada, por vezes disfarçada de contra informação, que precisa de ser selecionada e esmiuçada, mas é uma perceção totalmente incorreta, sobretudo no longo prazo. É a errada perceção do “jogar na bolsa”, sendo provável que um investidor inexperiente veja a bolsa como um jogo e, por isso, adote uma postura de jogador. Eventualmente, a sorte poderá protegê-lo no curto prazo, mas no longo prazo a probabilidade de sucesso é reduzida, a não ser que nunca aposte contra o mercado ou contra a tendência económica. E à falta de experiência e de conhecimentos económicos e financeiros, o investidor deve socorrer-se de profissionais habilitados. Em suma, no longo prazo é impossível vencer o mercado, tal como é impossível vencer os casinos (os lucros destes são perdas dos clientes).  

O imobiliário é um investimento clássico dos portugueses, que nunca o apelidaram de jogo, mas um índice acionista é também uma opção credível. No longo prazo, o risco dos índices acionistas mais amplos das economias mais avançadas é talvez semelhante ao das obrigações soberanas de elevada classificação (AAA) e em média uma carteira de ações diversificada, quer geográfica quer sectorialmente, oferece retornos interessantes no longo prazo. A compra de um desses índices acionistas é um investimento diversificado na economia. E se as economias dos EUA ou da Europa falhassem estruturalmente, então a consequente deterioração do nível de vida das famílias, ditada pela subida estrutural da taxa de desemprego e diminuição do rendimento, seria tão ou mais grave que as perdas que se verificariam em índices como o S&P 500 ou o Stoxx 600. Por exemplo, se um investidor no início de outubro, e depois das quedas significativas verificadas em setembro, acreditasse na melhoria dos resultados das empresas no terceiro trimestre relativamente ao esperado e numa desaceleração dos aumentos das taxas de juro pelos bancos centrais, refletido num tom menos “hawkish”, adotaria uma posição compradora no mercado e beneficiaria, no caso da aquisição de um ETF sobre o índice acionista Dow Jones, do melhor outubro de sempre, uma alta de quase 14%. Todavia, o comportamento das FAAMG e a reunião da Reserva Federal dos EUA no passado dia 2 de novembro travaram algum do entusiasmo dos investidores, impulsionando os rendimentos do tesouro norte-americano (“yield” a 2 anos atingiu valores de abril de 2007 nos 4,74%). O futuro não é óbvio e os investidores traçam expetativas, umas serão bem-sucedidas e outras não. Os que desconhecem o funcionamento dos mercados apelidam de especulação, num sentido negativo e depreciativo, as expetativas relativas à evolução das ações e das obrigações. Muitos referem que na realidade os especuladores são os grandes investidores institucionais com liquidez suficiente para manipularem e definirem o curso do mercado. No entanto, quem dita o rumo do mercado, nomeadamente o acionista, é a interação de todos os agentes económicos, desde empresas, famílias e Estado, determinando a oferta, o consumo, a evolução da atividade económica e consequentemente o andamento dos índices acionistas.

A venda a descoberto de ações de uma empresa ou índice acionista, denominada de short-selling, é vista como algo negativo para o funcionamento dos mercados e que deve ser afastado na maior parte das vezes. Todavia, a venda a descoberto permite corrigir as ineficiências do mercado, quanto há ausência de vendedores capazes de o fazer. Esta estratégia especulativa, de vender para comprar mais abaixo, surge apenas porque a empresa está sobreavaliada relativamente aos seus fundamentais. Os especuladores estabilizam o mercado e protegem os investidores mais incautos de comprarem mais caro. Os especuladores também só vendem dívida portuguesa, e de outros países, nomeadamente periféricos, se as contas públicas se deteriorarem ou percecionarem menor coesão europeia. O arrojado pacote orçamental expansionista de Liz Truss no final de setembro determinou a desvalorização da libra esterlina e desestabilizou os fundos de pensões britânicos. Os culpados não foram os especuladores, mas a guerra na Ucrânia, a elevada inflação e os efeitos negativos do brexit.  Por exemplo, manter uma moeda atrelada ao dólar com diferentes fundamentais macroeconómicos aos norte-americanos, está sujeita à ação dos especuladores que procuram ganhar com as ineficiências do mercado.

Quando alguém refere que se deve evitar a exposição do fundo de pensões português a ações, e apelida esse investimento de jogo, mostra o seu completo desconhecimento sobre o funcionamento dos mercados acionistas. 

PMR In VE 9 novembro 2022




terça-feira, 8 de novembro de 2022

A especulação e os mercados acionistas

 Quando alguém refere que se deve evitar a exposição do fundo de pensões português a ações, apelidando esse investimento de jogo e abominando também o papel dos especuladores nas bolsas, mostra o seu completo desconhecimento sobre o funcionamento dos mercados acionistas. Desde sempre que os especuladores são vistos pela generalidade dos agentes económicos como personas non gratas, entidades que ganham dinheiro desestabilizando os mercados. Todavia, é impossível ganhar dinheiro nos mercados acionistas e ao mesmo tempo ser desestabilizador. É um trade-off. Um especulador é alguém que procura lucrar com as ineficiências do mercado, nomeadamente avaliações incorretas de empresas, comprando empresas que estão abaixo do seu valor fundamental e vendendo ações que estão sobreavaliadas, estabilizando desta forma o mercado. É certo que um arbitragista também tenta capitalizar com as ineficiências do mercado, mas essas ineficiências são refletidas muitas vezes por distintas cotações de determinada ação em diferentes bolsas. Atualmente, o papel dos arbitragistas é cada vez mais realizado por algoritmos que procuram ineficiências pontuais de alguns minutos, segundos ou milésimos de segundo.


Os mercados não são eficientes, sobretudo no curto prazo, e os preços das ações nem sempre refletem os fundamentais das empresas. No dia a dia o mercado reage desproporcionalmente à divulgação dos dados macro e microeconómicos, existindo sempre oportunidades para os especuladores e arbitragistas, ambos estabilizadores dos mercados acionistas. Especular é delinear várias hipóteses quanto ao futuro, de acordo com expetativas para os fundamentais das empresas.

O papel do especulador resume-se grosso modo a aproveitar as ineficiências do mercado. É uma estratégia relativamente diferente àquela em que um investidor compra determinada ação de uma empresa que considera de elevada qualidade e com potencial de valorização no longo prazo, esperando que o seu investimento dê lucros no longo prazo, adotando por vezes uma postura mais passiva. O especulador é provavelmente mais ativo, um investidor mais de curto prazo, procurando oportunidades onde existem movimentos significativos de preços, devido à volatilidade e incerteza de curto prazo, comprando ações que ficam baratas em termos fundamentais e vendendo títulos que estão mais caros. Há ainda mais uma vantagem na atividade especulativa, o aumento de liquidez que os especuladores proporcionam ao mercado acionista devido à sua postura ativa, permitindo aos investidores que pretendam investir ou desinvestir no mercado o façam a preços mais favoráveis. Os especuladores nos mercados acionistas protegem os investidores mais incautos de comprarem mais caro. No longo prazo os preços das ações tendem para o seu real valor. Um mercado de ações no longo prazo tende a ser eficiente, nomeadamente um índice acionista mais amplo, refletindo a evolução da economia. Os índices acionistas mais amplos geográfica e sectorialmente das economias avançadas são uma opção tão válida quanto a compra de obrigações soberanas de qualidade “AAA”, com a vantagem de entregarem melhores retornos. Em boa verdade, poderemos, isso sim, considerar nefasta especulação o açambarcamento de mercadorias que agrava ainda mais o fenómeno inflacionista.

Em suma, os especuladores de ações que ganham dinheiro com a sua estratégia estabilizam o mercado. Se perderam dinheiro é porque a sua análise relativa aos fundamentais da empresa estava errada. No final os mercados e a economia têm sempre razão e os especuladores que perderam dinheiro tendem a ser afastados.

PMR In Jornal de Negócios 7/11/2022




sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Ciclo económico e correlação entre ações e obrigações

Há uma perceção generalizada de que quando o valor das obrigações sobe, as ações normalmente desvalorizam e vice-versa. No entanto, uma correlação positiva ou uma relação inversa entre a evolução dos preços das ações e das obrigações depende muito da fase do ciclo económico, refletida quer pelo grau de crescimento económico, quer pelo nível de inflação. Poderemos, então, definir quatro diferentes fases.


Atualmente, a economia encontra-se numa fase inflacionista e de fraco crescimento económico, ou seja, um cenário de quase estagflação, afastado apenas pela taxa de desemprego baixa e pela resiliência do mercado de trabalho. Nesta fase os bancos centrais aumentam as taxas de juro, tentando travar a elevada inflação. As obrigações são penalizadas pela alta dos juros e as ações, sobretudo aquelas mais sensíveis às taxas de juro, apresentam também um desempenho desfavorável, refletindo, assim, a atual correlação positiva e direta entre a evolução das obrigações e das ações. Desde o início do ano as obrigações e ações desvalorizam significativamente, apresentando em conjunto um dos piores desempenhos dos últimos 50 anos.


Uma outra fase é definida pelo forte crescimento e pela elevada inflação. Neste estágio, a tendência de alta das taxas de juro, para refrear as pressões inflacionistas, penaliza as obrigações, mas as ações tendem a refletir um desempenho favorável diante da robusta atividade económica e das perspetivas de melhores receitas e lucros para as empresas. Por isso, numa fase com estas características, a correlação entre a ações e obrigações é habitualmente negativa.


Numa terceira fase, marcada pelo fraco crescimento económico e pela inflação baixa, as obrigações tendem a mostrar-se resilientes e a valorizar, nomeadamente as soberanas, devido à postura monetária expansionista dos bancos centrais, refletida na redução das taxas de juro para impulsionar a atividade económica. Todavia, as ações tendem a ser penalizadas pela fraca atividade económica ou mesmo recessão, prejudicando também as obrigações das empresas.


Numa quarta e última fase, caracterizada por baixa inflação e forte crescimento económico, as ações tendem a registar um desempenho melhor, espelhando uma atividade económica mais robusta. No entanto, a baixa inflação é acompanhada pela manutenção das taxas de juro em níveis baixos, penalizando as obrigações com risco taxa de juro. Contudo, poder-se-á observar alguma valorização das obrigações, ganhos mais concentrados nas obrigações de empresas, devido ao menor risco de crédito determinado pelo crescimento económico e melhor ambiente para a atividade das empresas. Esta conjuntura de baixa inflação e de elevado crescimento é das mais favoráveis para as ações.


Em momentos de incerteza e volatilidade nos mercados acionistas, as obrigações tendem a ser um porto seguro e a correlação negativa é uma realidade, dando lugar à valorização das obrigações e queda dos preços das ações, fenómeno conhecido por ”flight-to-quality”. No entanto, se a incerteza e a volatilidade nos mercados financeiros forem extremas, como aconteceu em outubro de 2008 e em março de 2020, então a desvalorização em simultâneo de ações e obrigações, bem como de metais e de produtos agrícolas, é uma realidade, apresentando-se o dólar americano como um dos poucos ativos de refúgio, caracterizado pela preferência por liquidez. 


É importante olhar de forma desagregada para cada classe de ativos. Por exemplo, ações de crescimento e de valor tendem a apresentar desempenhos diferentes em cada fase do ciclo económico. Também nas obrigações deveremos olhar de maneira diferente para o soberano e para o “corporate”, bem como para os “ratings” melhores ou mais fracos (“investiment grade” ou “high yield”), risco de crédito, risco de taxa de juro e risco de liquidez.


Em suma, e regressando ao momento atual da economia, uma descida da inflação nos próximos meses reduziria o risco de taxa de juro e impulsionaria as obrigações, mais as soberanas com melhores “ratings”, mas também as obrigações de empresas de qualidade. As ações também tenderiam a registar um desempenho melhor, diante de uma menor inflação, sobretudo aquelas mais sensíveis às taxas de juro. Ou seja, com a diminuição da inflação e consequente baixa dos juros, os títulos com maior “duration”, mais sensíveis aos juros, tendem a registar um comportamento positivo. Mais crescimento económico seria positivo para as ações em geral e para as obrigações com risco de crédito.

PMR in VE 2/11/2022







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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.