A inversão da curva de
rendimentos nos EUA
Coronavírus, diminuição do balanço da Fed e inversão da curva de rendimentos
nos EUA penalizam ações. Esta semana a época de resultados foi marcada pelas
gigantes tecnológicas
Paulo Rosa, Jornal Económico, 31 de janeiro 2020
Nas últimas duas semanas a curva de rendimentos norte-americana voltou a
inverter, nomeadamente nos prazos de dois a cinco anos, fenómeno que se agudiza
a cada dia que passa, o que não acontecia desde outubro, indiciando
abrandamento económico. No entanto, a Reserva Federal norte-americana (Fed)
manteve a principal taxa de juro inalterada e refere que a atual política
monetária é adequada, num ano de eleições nos EUA.
O balanço da Fed desceu na semana passada, o que não se verificava desde meados
de novembro, e o coronovírus continua nos radares das bolsas. Estes factos têm
penalizado os mercados accionistas, que aguardam com expectativa a divulgação
da confiança empresarial das várias potências económicas medida pelos PMI e
ISM. Todavia, as bolsas mantêm o sentimento positivo e as recentes descidas são
provavelmente pontuais e salutares correções.
O Banco de Inglaterra manteve as taxas, com votação de 7-2 membros (esperado
6-3) e desceu as perspectivas para a inflação de 2,25% em novembro para 2,15%,
tendo cortado o crescimento económico de 1,2% para 0,8%,
A Apple obteve lucros e receitas trimestrais recordes que superaram as
expectativas e impulsionaram as ações para novos máximos.
A estrela do trimestre foi o iPhone, com as vendas a cifrarem-se acima do
esperado, representando 56 biliões de dólares, mais de 60% da receita total,
ainda com elevada representatividade quando pretendiam maiores crescimentos nos
serviços. As vendas totais ascenderam aos 91.82 biliões de dólares e o lucro
fixou-se acima dos 22 biliões de dólares, 4.99 dólares por ação, máximos de
todos os tempos. Os analistas esperavam um lucro de 4,54 dólares por ação e
receitas de 88,48 biliões de dólares.
A empresa corroborou uma perspetiva otimista para o atual trimestre, mas o
surto do coronavírus tem sempre impacto. A Apple tem fontes alternativas aos
fornecedores localizados em Wuhan e irá monitorizar o que acontece com as
fábricas fora da cidade.
O Facebook superou os lucros e as receitas, mas as ações foram penalizadas
pelos custos e despesas crescentes e uma margem operacional reduzida.
Aguardam-se agora os resultados da Alphabet na segunda-feira, dia 3, depois do
fecho do mercado, enquanto os lucros da Microsoft foram acima do esperado com a
expansão da "cloud".
A Netflix, que já apresentou resultados na semana passada, alertou que o
crescimento de assinantes possa cair para 17% no próximo trimestre. Embora os
lucros tenham sido acima do esperado, resultou de um corte de impostos de 2017.
EMPRESAS
A Mediobanca subiu a recomendação do BCP de neutral para Outperform e colocou o
preço- alvo de 0,22 euros/acção. A Goldman corta a recomendação da EDP
Renováveis de comprar para neutral e preço alvo de 11,30 euros/acção. O banco
brasileiro de desenvolvimento, o BNDES, aprovou financiamento de mil milhões de
reais para um projeto de parque eólico da EDP Renováveis.
A EDPR ganhou um contrato italiano de 20 anos, três parques eólicos e a
capacidade de 109 MW.
COTADAS EUROPA
SAP elevou a precisão para 2020 e o lucro operacional do último trimestre de
2019 atinge as metas. A Renault nomeou Luca de Meo para CEO, ficando para trás
a era Carlos Ghosn. A KONE confirma que enviou uma oferta não vinculativa para
adquirir o negócio de tecnologia de "elevadores" da Thyssenkrupp. Os
resultados da Volvo superaram a estimativa média dos analistas, enquanto as
receitas anuais da DWS se fixaram acima do esperado, ao crescer 3,9%. Os lucros
da Roche ficaram acima do esperado, com um lucro de 20,16 francos/acção.
A transversalidade e Universalidade da ciência económica. O objecto de estudo da economia é a maximização do bem-estar do ser humano, mas não deixa de ser em sentido estrito. A ciência económica é mais abrangente. A todos os seres vivos e não vivos. Ver página "descrição do blog".
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sexta-feira, 31 de janeiro de 2020
O Coronavírus, a FED e os mercados
Em meados do mês, o mercado
foi confrontado com a agudização das tensões políticas entre os EUA e
o Irão, que, em e boa verdade, acabaram por não ter impacto significativo nos
mercados acionistas. A inexistência de uma escalada do conflito facilitou a superação da situação.
Chegados ao final do mês, o mercado defronta-se com o agravar dos receios de uma pandemia a nível global, com o alastrar do surto viral do Coronavírus que estava confinado à China.
Os mercados são virais e contagiam-se com bastante facilidade. As recentes quedas registadas nas bolsas asiáticas estenderam-se às restantes praças mundiais. Os índices bolsistas norte-americanos, fieis barómetros da evolução de todos os mercados acionistas, corrigiram pela primeira vez desde o início de dezembro. Outro momento ocorreu no início de outubro antes de a Reserva Federal dos EUA (FED) lançar o seu atual programa de "Quantitative Easing não oficial". Tecnicamente o mercado estava significativamente "sobrecomprado", precisava de "respirar" e ganhar "fôlego" para novas subidas, os compradores escasseavam e a liquidez diminuía, e o Coronavírus foi a justificação encontrada pelo mercado para a tão aguardada correção. Não é o Coronavírus! É o balanço da FED! O futuro dirá se o surto viral é uma situação grave que impacte a economia mundial. Neste momento não é.
Após o aperto de financiamento nos mercados monetários de curto prazo dos EUA em setembro, a FED não injetou apenas dinheiro através de leilões de recompra para fornecer liquidez por meio de empréstimos de curto prazo a Bancos, corretores e "hedge funds" sem dinheiro, mas também comprou bilhetes do tesouro norte-americano. A correção do mercado tardava, e é difícil acontecer quando a FED está a expandir o seu balanço, de 3,8 biliões de dólares em setembro para os atuais 4,1 biliões de dólares. As operações de "recompra" da FED têm alimentado o avanço ininterrupto do mercado. Não lute contra a FED.
Porém, na semana passada o balanço da FED diminuiu, algo que não acontecia desde meados de novembro, há dois meses. Grosso modo, os Bancos Centrais, através da banca comercial, financiam a economia. São estes ou a poupança que financiam o investimento e o consumo? Num regime bancário de reservas fracionárias, a poupança é moeda-crédito.
Os Bancos querem que o BCE ponha fim à política de taxas de juros negativas. Se existem investidores que estão a beneficiar com financiamento barato, há outros que vêem as suas poupanças diminuírem em termos reais, nomeadamente aforradores de depósitos a prazo. No entanto, é mais provável que as taxas continuem baixas ou negativas durante um longo período de tempo, com a japonização da economia mundial, do que a regularização dos balanços dos Bancos Centrais, que também acarreta um problema para os Bancos, que veriam os seus ativos, mobiliários e imobiliários, colapsarem. Os balanços da FED e do BCE quadruplicaram nos últimos 12 anos, mas a inflação de preços, por exemplo em Portugal, medida pelo IPC é de cerca de 17% desde 2003. No entanto, os principais mercados acionistas mundiais, as obrigações e o mercado imobiliário duplicaram, triplicaram, quadruplicaram alimentados pela enérgica expansão monetária dos Bancos Centrais, principalmente depois da crise de 2008.
Com a inversão da pirâmide demográfica, a propensão ao consumo e ao investimento é cada vez menor, culminando em baixas taxas de juro face ao crescente aumento da poupança. A política monetária acomodatícia dos Bancos Centrais enviesa e origina a inversão do financiamento, que passa a estar mais dependente das políticas monetárias centrais do que das poupanças das famílias.
Dívida e metais preciosos são ativos de refúgio. O mercado de dívida soberana é um porto seguro, e a rentabilidade da Bund alemã desceu dos -0,17% para -0,40% em duas semanas. O ouro está em máximos desde a tensão geopolítica no Médio Oriente. Este e outros metais preciosos que ganharam esse estatuto, como o paládio, como não geram renda, têm provavelmente espaço de valorização, a par dos ativos de renda fixa, se se efetivar um abrandamento económico nos EUA, e a consequente queda da taxa de juro que remunera o dólar.
Paulo Rosa, In "Vida Económica", 31 de janeiro de 2020
Chegados ao final do mês, o mercado defronta-se com o agravar dos receios de uma pandemia a nível global, com o alastrar do surto viral do Coronavírus que estava confinado à China.
Os mercados são virais e contagiam-se com bastante facilidade. As recentes quedas registadas nas bolsas asiáticas estenderam-se às restantes praças mundiais. Os índices bolsistas norte-americanos, fieis barómetros da evolução de todos os mercados acionistas, corrigiram pela primeira vez desde o início de dezembro. Outro momento ocorreu no início de outubro antes de a Reserva Federal dos EUA (FED) lançar o seu atual programa de "Quantitative Easing não oficial". Tecnicamente o mercado estava significativamente "sobrecomprado", precisava de "respirar" e ganhar "fôlego" para novas subidas, os compradores escasseavam e a liquidez diminuía, e o Coronavírus foi a justificação encontrada pelo mercado para a tão aguardada correção. Não é o Coronavírus! É o balanço da FED! O futuro dirá se o surto viral é uma situação grave que impacte a economia mundial. Neste momento não é.
Após o aperto de financiamento nos mercados monetários de curto prazo dos EUA em setembro, a FED não injetou apenas dinheiro através de leilões de recompra para fornecer liquidez por meio de empréstimos de curto prazo a Bancos, corretores e "hedge funds" sem dinheiro, mas também comprou bilhetes do tesouro norte-americano. A correção do mercado tardava, e é difícil acontecer quando a FED está a expandir o seu balanço, de 3,8 biliões de dólares em setembro para os atuais 4,1 biliões de dólares. As operações de "recompra" da FED têm alimentado o avanço ininterrupto do mercado. Não lute contra a FED.
Porém, na semana passada o balanço da FED diminuiu, algo que não acontecia desde meados de novembro, há dois meses. Grosso modo, os Bancos Centrais, através da banca comercial, financiam a economia. São estes ou a poupança que financiam o investimento e o consumo? Num regime bancário de reservas fracionárias, a poupança é moeda-crédito.
Os Bancos querem que o BCE ponha fim à política de taxas de juros negativas. Se existem investidores que estão a beneficiar com financiamento barato, há outros que vêem as suas poupanças diminuírem em termos reais, nomeadamente aforradores de depósitos a prazo. No entanto, é mais provável que as taxas continuem baixas ou negativas durante um longo período de tempo, com a japonização da economia mundial, do que a regularização dos balanços dos Bancos Centrais, que também acarreta um problema para os Bancos, que veriam os seus ativos, mobiliários e imobiliários, colapsarem. Os balanços da FED e do BCE quadruplicaram nos últimos 12 anos, mas a inflação de preços, por exemplo em Portugal, medida pelo IPC é de cerca de 17% desde 2003. No entanto, os principais mercados acionistas mundiais, as obrigações e o mercado imobiliário duplicaram, triplicaram, quadruplicaram alimentados pela enérgica expansão monetária dos Bancos Centrais, principalmente depois da crise de 2008.
Com a inversão da pirâmide demográfica, a propensão ao consumo e ao investimento é cada vez menor, culminando em baixas taxas de juro face ao crescente aumento da poupança. A política monetária acomodatícia dos Bancos Centrais enviesa e origina a inversão do financiamento, que passa a estar mais dependente das políticas monetárias centrais do que das poupanças das famílias.
Dívida e metais preciosos são ativos de refúgio. O mercado de dívida soberana é um porto seguro, e a rentabilidade da Bund alemã desceu dos -0,17% para -0,40% em duas semanas. O ouro está em máximos desde a tensão geopolítica no Médio Oriente. Este e outros metais preciosos que ganharam esse estatuto, como o paládio, como não geram renda, têm provavelmente espaço de valorização, a par dos ativos de renda fixa, se se efetivar um abrandamento económico nos EUA, e a consequente queda da taxa de juro que remunera o dólar.
Paulo Rosa, In "Vida Económica", 31 de janeiro de 2020
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