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sexta-feira, 24 de abril de 2020

"Dinheiro de helicóptero"

 
As garantias que suportam o significativo montante de dívidas globais estão a desmoronar-se à medida que as bolhas especulativas se esvaziam. A queda dos ativos, provavelmente, refletirá deflação monetária. Há perdas generalizadas nas ações e nas obrigações, e poderemos assistir a desvalorizações no setor imobiliário. Uma queda considerável de uma ação, que suporta um empréstimo, ou a desvalorização de um imóvel, que tem subjacente uma hipoteca, enfraquecem sistemicamente os colaterais existentes na economia...

O círculo virtuoso que se vive há vários anos poderá dar lugar a um círculo vicioso de quedas. Os ativos financeiros perdem valor, antecipando uma recessão económica e resultados mais fracos das empresas. Poderemos assistir a uma depressão? Atualmente, as principais casas de investimento prevêem uma recuperação no segundo semestre...

Perante o aumento do desemprego, a descida do rendimento disponível e a agudização dos problemas financeiros de muitas empresas encerradas, poderemos ter uma segunda vaga de quedas nas bolsas? É a pergunta para um milhão de dólares. As incertezas são muitas e a volatilidade pegou de estaca no mercado.

Algumas empresas apresentarão problemas de tesouraria, balanços fragilizados, e crescentes dificuldades em pagar custos fixos, nomeadamente salários, que poderão ser colmatadas no curto prazo com a alienação de ativos que tenham em carteira, desde ações, obrigações e imóveis, para realizar liquidez, pressionando as bolsas. As famílias penalizadas podem recorrer aos ativos financeiros que possuem e vendê-los para pagar os seus encargos fixos mensais.

O mercado estará pressionado enquanto a curva dos novos casos de infetados com coronavírus for exponencial. A recuperação económica será em "V" se as previsões das principais casas de investimento mundiais se confirmarem, que continuam a apontar para uma melhoria no segundo semestre do ano. Caso não aconteça, a retoma será em "U" ou mesmo em "L".

Muito dinheiro criado pelos bancos centrais, nomeadamente nos EUA, está a ser colocado na cesta de dinheiro do helicóptero. Compras ilimitadas por tempo indeterminado pela FED.

Também os governos estão no terreno, e um pacote de estímulos orçamentais de dois biliões de dólares, equivalente a 10% do PIB dos EUA, foi aprovado pelo Senado norte-americano.

Mas, atualmente, existe uma realidade financeira sistémica desfavorável. Na economia real há uma erosão dos colaterais que suportam os crescentes níveis de dívidas e de alavancagem. Os acréscimos de estímulos financeiros dos bancos centrais estão, gradualmente, a gerar retornos decrescentes, tornando-se cada vez mais estéreis. As suas políticas fortemente expansionistas já não se traduzem na euforia de outrora. Também, não está a ser dada a devida atenção ao poder de compra baseado nos rendimentos do trabalho (salários), que está estagnado há anos, e poderá entrar em declínio nos próximos tempos. O dinheiro criado pelos bancos centrais enviesou a real perceção entre as cotações e o risco associado aos ativos.

A estabilidade de todo o sistema está mais frágil. A lei de Gresham é uma realidade crescente entre as principais moedas do mundo, o dólar e o euro, que estão à mercê da crescente quantidade de dinheiro, das taxas de juro de 0% e da monetização das dívidas públicas, sendo cada vez mais relegadas para pagamentos, enquanto o ouro avança como reserva de valor.

A impressão de dinheiro, criando moeda para manter em alguns casos instituições ineficientes, tal como empresas "zombie", está a corroer ainda mais a já decadente confiança nas autoridades, quer bancos centrais quer governos, e nas suas políticas monetárias e orçamentais.

Há também o impacto psicológico do efeito inverso da riqueza. As famílias e as empresas vêem o valor do seu património e dos seus rendimentos caírem. Depois da euforia, a fidúcia necessária para emprestar evapora-se, independentemente da quantidade de moeda criada e distribuída, e levará algum tempo a reaparecer a confiança... 
PAULO ROSA Economista Sénior do Banco Carregosa, 27 de março de 2020 





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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.