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sexta-feira, 24 de abril de 2020

Petróleo, mais um cisne negro!

Depois das taxas de juro negativas, que persistem em muitas geografias e em algumas rentabilidades dos títulos soberanos há cerca de 10 anos, eis que o contrato de maio do West Texas Intermediate (WTI), a referência norte-americana para o petróleo, cujo último dia de negociação foi a última terça-feira (dia 21), cotou na segunda-feira (dia 20) nos -40 dólares/ barril, pela primeira vez em território negativo. Este, com certeza, ainda há poucas semanas era um cisne negro. E quantos não existirão ainda por aí perdidos nos mercados financeiros?

O WTI é transacionado na Bolsa de mercadorias de Chicago (CME). O local de entrega é em Cushing, pequena cidade do Oklahoma no interior dos EUA, a cerca de mil km da costa sul dos EUA. A posição estratégica de Cushing e uma rede de oleodutos foram desenhados na década de 60 para abastecimento dos EUA de petróleo. O crude canadiano, através do pipeline de Keystone, e o petróleo do golfo do México, através de Houston, abastecem a cidade de Oklahoma, que também é servida pelas zonas continentais dos EUA, como o Texas. Não há oleodutos no sentido inverso, resolvendo parte do problema, com o envio de muito petróleo de Cushing para Houston, no litoral.

A localização e a oferta serão, provavelmente, os principais fatores que definem a cotação e o diferencial entre o WTI de Nova Iorque, mais barato apesar de ser um "light sweet" de excelente qualidade, e o Brent de Londres, referência para dois terços da produção mundial. O WTI, referência para os EUA, é um "landlocked" — localiza-se no interior epadece de excesso de oferta. O Brent é um "waterborne" — localiza-se no litoral - e é caracterizado pela escassez de oferta, mas, atualmente, poderá vir a sofrer do mesmo problema do WTI, devido à crescente falta de super-petroleiros para armazenamento de crude...

O corte na produção de petróleo, por parte da OPEP+ e da maior parte dos restantes produtores mundiais, de cerca de 10 milhões de barris diários, entra em vigor a 1 de maio. No entanto, é insuficiente face à significativa quebra da procura à volta de 30 milhões de barris. Era esperado para este ano que o consumo diário de petróleo ultrapassasse pela primeira vez os 100 milhões de barris.

A produção excede em muito a procura e o remanescente tem que ser armazenado.
Investidores, nomeadamente os "traders" de petróleo físico, devido à dificuldade em encontrar local para armazenar o petróleo foram obrigados a alienar a qualquer preço, nos últimos dias de negociação do contrato de maio. Também investidores que compram apenas numa ótica financeira, tiveram que vender, ou adquirir o contrato de junho, a qualquer preço, num fenómeno de "long covering".

Os stocks não param de aumentar. Não há onde armazenar o petróleo. O melhor local é "armazenado" na mãe natureza, no subsolo. Mas reduções da oferta não são imediatas. Depois de abrir um poço, o petróleo sai com a pressão natural e não é fácil fechar a torneira... Estamos perante um super "contango", cujo petróleo para entrega imediata é muito mais barato, devido ao excesso de oferta, que os contratos futuros para os meses seguintes e próximos anos. Este fenómeno irá continuar enquanto a oferta exceder a procura. Em virtude do crescimento económico, o normal é a procura superar a oferta, e os contratos mais recentes serem mais caros que os de prazos mais longos, o fenómeno "backwardation". Os contratos de julho e agosto, que têm mais posições abertas, poderão ser pressionados, enquanto se mantiver a crescente escassez de armazenamento, e poderá reduzir o super contango nos meses mais próximos. O de junho tem muito poucas posições abertas, e tornou-se irrelevante...

Muitos países produtores de petróleo, como Angola, cujos orçamentos estão alicerçados nas receitas cada vez menores do petróleo, devido ao corte da quota de produção e à cotação gradualmente mais baixa, poderão sofrer quebras muito significativas do PIB.

Paulo Rosa, In "Vida Económica", 24 de abril de 2020







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Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.