Na Alemanha, assiste-se, por enquanto, à desinflação, mas o risco de deflação aumenta. A queda da inflação germânica, em setembro, é resultado principalmente dos baixos preços da energia e da redução do IVA. No entanto, a desinflação pode facilmente transformar-se em deflação. O corte no IVA foi de três pontos percentuais na taxa mais elevada, de 19% para 16%, e de dois pontos percentuais na taxa reduzida, de 7% para 5%, e tem duração de seis meses, até dia 31 de dezembro e um custo estimado para os cofres do tesouro alemão de 20 mil milhões de euros. Na restauração, o corte estender-se-á até ao final do primeiro semestre de 2021.
Com base nos resultados da inflação em vários estados regionais, a inflação
alemã quedou-se no mês passado nos -0,2%, em termos anuais, face a 0,0% em
agosto. Esta foi a leitura mais baixa desde janeiro de 2015. O índice
harmonizado, a métrica mais relevante para a política monetária do Banco
Central Europeu, caiu para -0,4% no período em causa, setembro, e tinha descido
-0,1% em agosto.
A par dos baixos preços da energia, o corte do IVA em julho, mais visível nos
preços de alimentos, roupas, outros bens de consumo e, cada vez mais, também em
outras atividades de lazer e pacotes de férias, têm contribuído para a queda da
inflação.
Ao mesmo tempo, o facto de o aumento dos preços dos hotéis e restaurantes ainda
estar muito em linha com a tendência observada antes do corte do IVA sugere que
os impostos mais baixos também são utilizados para apoiar as empresas e não são
necessariamente repassados inteiramente aos consumidores.
O efeito da queda do IVA poderá pressionar a inflação alemã ainda mais algum
tempo, antes de recuperar gradualmente no próximo ano. Pelo menos se o governo
alemão seguir o plano de reverter a redução do IVA, em janeiro, para a maior
parte dos produtos. Em julho de 2009, a inflação foi de -0,7%. Poderá este
mínimo histórico ser quebrado nos próximos meses, até ao final do ano?
No início da crise, especulou-se se a crise atual seria um
evento inflacionário ou deflacionário. Por enquanto, para a Alemanha, a
conclusão é clara: é desinflacionário. Desde a redução do IVA, cerca de 50% dos
100 principais componentes do cabaz do Índice de Preços no Consumidor (IPC)
registaram taxas de inflação negativas. Em 2014 e 2015, último período de
receios deflacionistas, isso nunca foi superior a 30%.
A Alemanha e o Japão são dois países envelhecidos, disciplinados, poupadores e
com os setores exportadores mais robustos do mundo há muitas décadas. De
realçar a forte componente tecnológica das exportações germânicas e nipónicas,
nomeadamente desde a segunda grande guerra, caracterizadas pela competitividade
extra-preço e crescente valorização das suas moedas, um fenómeno que viria a
ser apelidado de parodoxo Kaldor. Apesar da constante apreciação do marco
alemão e do iene japonês, as exportações destes países mostraram-se sempre
resilientes e a ganharem quota de mercado mundial, devido à componente
tecnológica dos bens exportados, que não precisavam de competir via preço. Este
facto permitiu a estes países usufruírem da crescente queda dos preços dos bens
importados, e poderá, em parte, responder pela maior propensão destes países à
deflação dos preços.
Muitos culpam a Alemanha e o Japão por não estimularem adequadamente as suas
procuras internas e não utilizarem os seus excedentes que permitiriam à UE e aos
EUA beneficiar do aumento da procura e da produção, e menos restrições orçamentais
ao crescimento noutras economias e geografias, grosso modo um reequilíbrio das balanças comerciais a nível mundial.
Contudo, a Alemanha não cederá e o BCE terá que continuar a sua eterna saga de
injeção de liquidez e mais taxas de juros negativas para estimular a economia e
tentar criar inflação. O Japão não cederá e a Reserva Federal norte-americana
continuará a imprimir dinheiro para financiar o seu elevado défice
comercial.
Paulo Rosa, 15 de outubro de 2020, In VE
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