A 15 de março de 2020, A Reserva Federal Norte-americana
(FED) anunciou que iria reduzir a taxa compulsória de 10% para zero para
incentivar os bancos a emprestarem durante a pandemia. A FED baixou também a
sua taxa de juro de referência de 1.75% para 0.25%. A 23 de março de 2020, a FED,
através do seu mecanismo de mercado aberto, o FOMC, expandiu as compras de Quantitative
Easing (QE) para um valor ilimitado. A 18 de maio, o seu balanço tinha crescido
de 4.2 triliões para 7 triliões de dólares, cerca de 70% em menos de dois meses.
No balanço do banco central dos EUA, grosso modo, o seu ativo é constituído por
títulos de dívida pública norte-americana, cerca de 65%, títulos garantidos por
hipotecas (MBS), quase 30%, e SWAPs, que chegaram a representar mais de 5% do
balanço em abril, quando existiu forte procura de dólares pelo exterior,
nomeadamente dos países emergentes com dificuldades de liquidez. O passivo é a
moeda central e é formado pela moeda em circulação e pelas reservas bancárias
(compulsórias e livres). Os capitais próprios correspondem a menos de 1%, por
isso, o passivo, que representa a base monetária, é quase igual ao ativo.
A significativa quantidade de moeda central tem ficado em
grande parte pelo sistema bancário Ou seja, não passou a moeda crédito, através
da concessão de empréstimos pelos bancos, para a “economia real”, os agentes
económicos: famílias, empresas e Estado.
No Japão, há mais de 20 anos que o setor privado, antes deficitário em fundos,
passou a poupador líquido e o setor público, antes excedentário, passou a assumir
os gastos da economia. Os papeis inverteram-se, e a dívida pública passou de 40%
do PIB nominal para mais de 250%. Na Europa, nomeadamente na Alemanha, o
caminho é semelhante e os investidores e analistas interrogam-se se os EUA começam
a trilhar também essa via. A dívida pública destes países é maioritariamente
detida por nacionais, o que não coloca entraves aos limites de endividamento
público e à inflação, pelo menos enquanto a moeda local for comumente aceite,
caso contrário gerará hiperinflação.
Os empréstimos dos bancos são inferiores às amortizações dos
débitos. Como pode chegar o dinheiro central à economia? O governo não está
disposto a usar o seu poder para criar dinheiro no interesse público. A maior
parte do novo dinheiro central é canalizado pelos bancos para os mercados imobiliário
e financeiro, enquanto apenas uma minoria termina na “economia real”. O impacto
na inflação é residual, porque além de serem poucas as pessoas que usufruem do
aumento de riqueza, o consumo cresce a ritmos decrescentes.
Os bancos reduzem os empréstimos às empresas, enquanto aumentam os empréstimos
para hipotecas. Se a dívida das famílias está a aumentar, mas as empresas não
conseguem aumentar os salários, mais cedo ou mais tarde, parte da dívida torna-se
impagável e as pessoas entram em incumprimento. No futuro, nos EUA, o governo
poder-se-á substituir ao setor privado através da realização de grandes
infraestruturas e investimentos em tecnologia, como faz a China. Se os bancos
centrais concedessem empréstimos diretamente ao público teríamos, com certeza,
inflação. Ou em último caso se, por absurdo, oferecesse dinheiro aos agentes
económicos, a inflação subiria na mesma proporção…
Paulo Rosa, 5 de novembro de 2020, VE
Sem comentários:
Enviar um comentário