A Reserva Federal norte-americana anunciou no simpósio anual de Jackson Hole, na semana passada, que irá adotar uma política monetária expansionista mais arrojada para combater a elevada taxa de desemprego nos EUA, provocada pelo confinamento e distanciamento social ditado pela pandemia de covid-19. Essa política passará pela flexibilidade na taxa de inflação, que poderá temporariamente ultrapassar os 2%. Ou seja, numa alusão à famosa curva de Philips, em que a taxa de desemprego e a taxa de inflação estão correlacionadas inversamente, o banco central dos EUA utilizar as ferramentas necessárias para inflacionar a economia norte-americana e, assim, conseguir baixar o nível de desemprego.
Mais tarde, Milton Friedman e Edmund Phelps reviram a curva
de Philips e chegaram à conclusão de que no longo prazo o nível de emprego é
rígido e não depende da inflação. Utilizando o método das expectativas
adaptativas ela indica que, para que se mantenha a taxa de desemprego a níveis
inferiores ao da taxa de desemprego natural, o que importa não é a taxa de
inflação, mas sim a sua variação, sendo necessárias taxas de inflação cada vez
mais elevadas para manter as taxas de desemprego abaixo da taxa natural. Grosso modo, as políticas
para amentar a inflação de preços, segundo os dois economistas, não ajudarão na
criação de mais emprego.
Será então uma tarefa hercúlea para a Reserva Federal dos EUA? O Banco Central
do Japão (BoJ) utiliza esta ferramenta há anos, depois de ter sido pioneiro na
flexibilização quantitativa (Quantitative Easing), e tem sido uma empresa sem
fim, não conseguindo até ao momento “reinflacionar” a economia nipónica.
A inflação estará mais dependente do nível de globalização, da tecnologia, da
demografia e do envelhecimento da população. Muito provavelmente uma descida do
nível da globalização permitirá e criará mais inflação de preços do que
qualquer política monetária expansionista, por mais enérgica que seja.
Também os cabazes de bens e serviços dos Índices de Preços ao Consumidor (IPC)
dos vários países poderão não espelhar cabalmente o nível de inflação, com
maior ponderação na alimentação e vestuário do que nas rendas dos imóveis que
os inquilinos pagam mensalmente. Mas perante a considerável expansão monetária
e o aumento consecutivo dos balanços dos bancos centrais, assistimos há muitos
anos à crescente valorização dos títulos, desde as ações, obrigações, ao
mercado imobiliário. Este reflexo deveria, talvez, estar refletido na inflação.
Porque realmente existe inflação, e podemos proteger-nos através da aquisição
de ativos financeiros, obrigações e ações, de imóveis, de ouro e outros metais
preciosos face à crescente deterioração das moedas fiduciárias.
Tanto o S&P 500 quanto o NASDAQ atingiram novos máximos consecutivos. E
iniciaram setembro em níveis históricos. E por que não? Afinal, o mercado agora
percebe que podem existir medidas mais arrojadas e menos “convencionais” por
parte da FED, que poderá passar por taxas negativas e… pela compra de ações!
Afinal a FED intervêm nos mercados do Tesouro (dívida soberana dos EUA), nos
mercados de títulos municipais (dívida emitida por Estados e cidades), nos
mercados de títulos corporativos por índice (dívida emitida por empresas), nos
mercados de títulos corporativos por títulos corporativos individuais (dívida
emitida especificamente por corporações), nos mercados de papel comercial
(mercado de dívida corporativa de curto prazo). E os mercados de títulos
garantidos por ativos (tudo, desde empréstimos estudantis a certificados de
depósito e muito mais). Não será o primeiro banco central a fazer isso. O banco
central da Suíça (BNS), cotado e 50% privado, chamado Swiss National Bank, compra
ações há anos. Sim. O BNS literalmente imprime dinheiro e compra ações nos
mercados acionistas dos EUA. O BoJ também imprime dinheiro e compra ações e, em
março de 2019, detinha 80% dos ETFs japoneses e é um dos 10 principais
acionistas em mais de 50% das empresas que negociam no mercado de ações
japonês.
Paulo Rosa, 4 de setembro de 2020, In Vida Económica
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