São vários os fatores possíveis que podem explicar a baixa inflação, ou até ligeiramente
negativa, desde a crise financeira de 2008 e mostram que esta pode estar mais
estável e menos sensível à taxa de desemprego, visto que o Japão e a Suíça têm
pleno emprego e, até há bem pouco tempo, também os EUA e o Reino Unido.
As expectativas para a inflação podem estar mais estáveis e menos suscetíveis a
fatores que anteriormente a teriam pressionado para cima ou para baixo.
Os bancos centrais dos países desenvolvidos balizaram a sua estabilidade de
preços nos 2% como objetivo para a inflação, o Banco Central Europeu há muito
anos, aquando da sua criação, e a Reserva Federal norte-americana pela primeira
vez em 2012 declarou pública e formalmente a meta dos 2%. Essa mensagem foi
passada para os agentes económicos, cujas atuais expetativas para a inflação
são agora também baixas. Por sua vez, com expectativas de inflação mais
estáveis, fatores que podem empurrar a inflação para cima, como uma baixa taxa
de desemprego ou uma subida nos preços de energia, têm provavelmente menos
efeito sobre a inflação real do que no passado, porque todos esperam que a
inflação regresse rapidamente para o objetivo dos 2%. As expectativas de
inflação futura podem ser atualmente mais fixas. Há alguns economistas e
agentes económicos que referem que um euro ou um dólar podem vir a comprar mais
no futuro! É uma realidade em produtos tecnológicos: em Portugal, há 40 anos
uma televisão custava 80 mil escudos, e esse montante em termos nominais, e sem
capitalização de juros, corresponde a 400 euros hoje em dia e consegue comprar,
atualmente, uma televisão tecnologicamente muito mais avançada. A disseminação
da Internet mudou os padrões de comércio para milhões de consumidores e
empresas, proporcionando maior transparência de preços e mais competitividade
para empresas locais, limitando assim os aumentos de preços.
A globalização pode conter a inflação. David Ricardo refere, na sua teoria das
vantagens comparadas, os benefícios do comércio internacional, mesmo que no
limite um país não seja competitivo em nada em relação a outro. Nas últimas
décadas, o maior grau de globalização aumentou significativamente os vínculos
entre os países, um crescimento do comércio de bens e serviços, e ligações mais
estreitas entre os mercados financeiros de todo o mundo, que implicaram que a
inflação de um país não pode mais ser determinada, em grande parte, por fatores
exclusivamente domésticos. A utilização global de recursos pode agora
desempenhar um papel na determinação da inflação dos EUA, da Zona Euro ou do
Japão e diminuir o papel da utilização de recursos destes países, e as curvas
de Phillips com base em variáveis internas que não explicam há décadas a
relação entre a inflação e a taxa de desemprego refletem, em parte, a omissão
frequente de variáveis globais nas análises da inflação dos EUA, do Japão e
da Europa. A entrada da China na Organização Mundial do Comércio e a rápida
expansão das exportações chinesas para os países desenvolvidos é determinante
na redução da inflação, bem como países da Indochina, Índia, América Latina e
África (matérias-primas e bens agrícolas).
Mudanças nos mercados de trabalho são outro fator que pode conter a inflação. A
disseminação das cadeias de abastecimento globais, o declínio da
sindicalização, uma queda no salário mínimo real e alterações nas normas
sociais em torno do pagamento, com a crescente entrada de migrantes e mulheres
no mercado de trabalho, podem ter reduzido a capacidade dos trabalhadores de
negociar efetivamente salários mais altos, limitando assim as pressões
inflacionistas provenientes do mercado de trabalho. Alterações demográficas com
envelhecimento da população e maior propensão à poupança, bem como alterações
na política governamental ou na metodologia de medição da inflação também podem
ser fatores a ter em conta. Por exemplo nos EUA, mudanças impostas pelo “Obama
Care” que visam controlar os preços dos planos de saúde e alterações no método
de medição da inflação, como a introdução de um novo índice de preços para telemóveis
em 2019 nos EUA, podem reduzir a inflação.
Paulo Monteiro Rosa, 25 de setembro de 2020, In VE
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