Quando um Estado gasta mais do que as receitas que arrecada o resultado é um défice orçamental, mas se o acréscimo de crescimento económico nominal do país for superior ao montante deficitário das contas públicas, a dívida pública diminuirá em termos relativos. Um crescimento económico nominal de 5% consegue neutralizar um défice público de 5% e manter estável a percentagem de dívida pública em relação ao PIB nominal.
Porém, se incorrermos em défices públicos significativos e
bastante acima do crescimento económico, a dívida pública subirá
acentuadamente. Este quadro deficitário será tanto mais grave quanto mais débil
for a economia do país em causa. Há países que podem incorrer em défices
excessivos mais elevados e por mais tempo sem comprometerem consideravelmente a
sua reputação económica e a confiança dos investidores. O Japão tem uma dívida
de 250% do PIB nominal, mas consegue ter taxas de juro baixas, ausência de
inflação, uma das principais moedas mundiais e gozar de pleno emprego. Todavia,
a classificação do seu crédito de risco desceu de triplo ‘A’ há 30 anos para
‘A’, aquém dos países do norte da Europa, Austrália e EUA de triplo ‘A’, mas a
dívida pública nipónica é em grande parte detida por nacionais e, atualmente, as
suas multinacionais são capazes de suportar aumentos de impostos para sustentar
os défices orçamentais e o envelhecimento da população, mas incorrem em
crescentes perdas de competitividade e produtividade.
Os EUA são o único país do mundo capaz de emitir dólares
norte-americanos e, assim, incorrer mais facilmente em défices orçamentais
excessivos. Os EUA tem défices orçamentais desde 2002 e a dívida pública em
relação ao PIB nominal aumentou de 60% na Grande Recessão de 2008 para 130% no
quarto trimestre de 2020. Normalmente, o financiamento da sua dívida soberana
tenderia a impulsionar as taxas de juros e a “expulsar” o investimento privado
– efeito ‘crowding out’ - que também depende de empréstimos, culminando no
abrandamento do crescimento económico, mas isso não tem acontecido.
A Teoria Monetária Moderna (MMT – Modern Monetary Theory)
permite défices elevados e mais ou menos permanentes, desde que a inflação e as
taxas de juros permaneçam baixas. Economistas, tanto da esquerda quanto da
direita, tendem a achar isso irresponsável, mas gradualmente são cada vez mais
os entusiastas. O governo nos EUA tem gastado mais, tributado menos e acumulado
dívidas, mas, mesmo assim, as taxas de juros permanecem baixas, assim como a
inflação, e a MMT justifica que os países que emitem as suas próprias moedas
nunca podem “ficar sem dinheiro” da mesma forma que os indivíduos ou mesmo as
empresas. Poucas crises orçamentais, se existiram, ocorreram em países que
pedem emprestado nas suas próprias moedas e imprimem o seu próprio dinheiro. O
resultado político dessa observação sobre moedas soberanas é que países como o
Japão e os EUA são livres para gastar mais. A forma tradicional de pensar há
muito que não existe, coletar impostos e depois decidir como gastá-lo. De
acordo com a forma de pensar da MMT, em primeiro lugar o governo define como e
quanto gastar.
Na MMT, um governo arrecada impostos para tornar a sua moeda soberana valiosa.
Ao exigir que as pessoas paguem impostos em dólares, o governo dos EUA garante
que as pessoas irão gastar, ganhar, emprestar esses dólares. Os impostos tornam
os dólares a moeda de escolha, em vez de alguma alternativa como criptomoedas
ou euros. A segunda razão pela qual um governo arrecada impostos num mundo
definido pela MMT é para controlar a inflação - a principal ameaça - e gastos
governamentais não controlados podem elevar os preços. Uma política orçamental
contracionista, através do aumento dos impostos, controlará as pressões
inflacionistas. Mas os governos preferem que esse controlo da inflação seja
realizado pelo Banco Central por motivos de agenda política e eleitoral, mas
deste modo uma subida dos juros é contrária à MMT. Se a esquerda prefere
governos despesistas e vê a MMT como tal, a direita olha a permissividade da
MMT em relação aos elevados défices como ‘cortes de impostos’. A MMT significa
não apenas mais gastos do governo em infraestruturas e apoios às famílias, mas menor
necessidade de aumentar a receita fiscal porque são permitidos défices públicos
muito maiores.
Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 28 de maio de 2021