Surgem no tempo dos fenícios, dos gregos e dos romanos as primeiras embarcações
cujos principais meios de propulsão eram as velas e os remos, conhecidas por galés.
As velas são uma tecnologia há muito conhecida e capturam o vento, gerando
força de propulsão para empurrar o barco na direção pretendida, mas, na ausência
de vento, os remos são fundamentais, principalmente nos navios de guerra. Deste
modo, as galés utilizavam como principais propulsores o vento e a força humana. Inovações gregas e romanas procuraram substituir a propulsão braçal do homem pela
força de bois e de cavalos, através de embarcações movidas a rodas de pás com
tração animal que funcionavam como mecanismos de propulsão. Todavia, estas
soluções mais técnicas raramente foram utilizadas. Num mundo em que o trabalho ‘escravo’
nos remos era barato, o complicado mecanismo da embarcação não era rentável em
termos de custos.
A partir do renascimento no séc. XV, as transformações na sociedade europeia foram
bem evidentes na cultura, economia, política e religião. O mundo ocidental
assistiu a uma gradual transição do feudalismo para o capitalismo e a profundas
alterações e desenvolvimentos relativamente às estruturas medievais. Uma sociedade
e uma economia alicerçadas nas crescentes liberdades de pensamento e de
escolarização permitiram mais conhecimentos e notáveis avanços tecnológicos. A
invenção da máquina a vapor em 1698 alicerçou a primeira revolução industrial
de 1760 a 1840. A produtividade do trabalho aumentou significativamente e pela
primeira vez na história o padrão de vida de toda a população começou a
experimentar um crescimento sustentado. O aumento dos rendimentos das famílias
e os crescentes avanços tecnológicos fizeram um caminho lado a lado. Quanto
mais elevado o custo da mão de obra, mais baratos eram os novos conhecimentos
tecnológicos em termos relativos. Provavelmente, mão de obra barata e escrava
em abundância e liberdade limitada ter-nos-iam deixado na idade das trevas por mais
alguns séculos.
Economias assentes em baixos salários, cujos bens e serviços produzidos sejam
competitivos apenas via preço e não tecnológico, têm o futuro hipotecado. Todavia,
salários mais elevados têm que ser suportados por ganhos de produtividade. A
produtividade do trabalho aumenta, e, consequentemente, os salários, à medida que
se emprega mais tecnologia.
Há uma correlação positiva entre salários e tecnologia. Salários mais elevados
são o corolário dos avanços tecnológicos e mão de obra barata trava os
progressos tecnológicos. São variáveis interdependentes. ‘Ceteris paribus’, se
o nível tecnológico numa determinada economia aumenta, os salários acompanham
essa subida. O nível tecnológico determina o nível dos salários e vice-versa. A subida dos salários é inflacionista, mas impulsiona a tecnologia que é deflacionista. As
empresas utilizarão mais intensamente tecnologia ou mão de obra de acordo com o
seu custo.
No futuro, veículos autónomos mais eficientes e mais baratos substituirão
motoristas de camiões e de transportes de passageiros. A inteligência
artificial aplicada às intervenções cirúrgicas substituirá médicos-cirurgiões
em muitas situações. Ou seja, num cenário de liberdade económica, a tecnologia
tomará o lugar do ser humano sempre que seja uma opção mais barata e mais
eficiente. Ficaremos todos desempregados? Sim, ficaremos desempregados tal como
os remadores das galés gregas e romanas, portageiros, datilógrafas e
telefonistas, mas aptos para novos empregos de maior valor acrescentado e mais bem remunerados.
Paulo Monteiro Rosa, 31 de dezembro de 2021 In Vida Económica
A transversalidade e Universalidade da ciência económica. O objecto de estudo da economia é a maximização do bem-estar do ser humano, mas não deixa de ser em sentido estrito. A ciência económica é mais abrangente. A todos os seres vivos e não vivos. Ver página "descrição do blog".
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sexta-feira, 31 de dezembro de 2021
Salários, tecnologia e liberdade
sexta-feira, 17 de dezembro de 2021
Admirável Metaverso Novo
O metaverso é uma tecnologia que promete ser a maior
revolução desde o ‘smartphone’. É uma fusão entre o mundo real e o virtual,
centrada numa economia em pleno funcionamento. Neste universo virtual as
pessoas interagem entre si por meio de avatares digitais e esse mundo é criado
a partir de diversas tecnologias, como realidade virtual, realidade aumentada,
redes sociais, blockchains e criptomoedas. Ninguém sabe onde o metaverso vai
chegar, mas a importância das criptomoedas para o seu crescimento é uma
certeza. As grandes tecnológicas disputam uma fatia dessa próxima etapa da rede
mundial, em que estaremos não apenas a ver os conteúdos, mas simultaneamente
dentro deles. O metaverso é um parque temático sem limitações e do tamanho da
imaginação e da criatividade. Não é uma extensão da internet, mas sim um
sucessor, e está a ser construído a partir de ‘blockchains’ e aplicações
descentralizadas. Ao contrário do mundo dos jogos eletrónicos onde
interpretamos outros personagens, o metaverso não é baseado em objetivos. Os
jogadores podem comprar e vender mercadorias, terrenos, bens e serviços que não
possuem nenhum valor real fora do seu próprio universo virtual. ‘Second life’
criado em 1999 é o embrião dos metaversos…
A pequena ilha de Barbados, na América Central, será o
primeiro país a inaugurar a sua embaixada no metaverso. O complexo diplomático
está a ser construído na Decentraland, uma das principais plataformas do
metaverso que utiliza a blockchain do Ethereum (ETH). Este jogo utiliza a
criptomoeda MANA nas aquisições e a propriedade do terreno é adquirida por meio
de NFT (tokens não fungíveis), ou seja, certificados de autenticidade de
propriedade. A Decentraland está a construir uma rua de lojas para a venda de vestuário.
Prada, Louis Vuitton e Gucci vendem roupas virtuais em mundos 3D. A empresa de
gestão de criptomoedas Grayscale estima que o metaverso seja uma oportunidade
de receita de um bilião de dólares, cerca de 5% do PIB dos EUA.
Anunciada como a terceira vaga da Internet, a Web 3.0 é caracterizada principalmente pela partilha e descentralização. No início do ano, o movimento Web 3.0 foi impulsionado pelo aumento significativo de NFT que passaram a conferir utilidade a muitas criptomoedas, nomeadamente ao ETH. Além de descentralizar e ser baseada em software de código aberto, a Web 3.0 permite que os participantes interajam diretamente sem passar por um intermediário confiável e qualquer pessoa pode participar sem autorização de uma direção centralizada. Como resultado, as aplicações da Web 3.0 serão executadas em blockchains ou redes ponto a ponto descentralizadas. Ou seja, a Blockchain é a forma de garantir a segurança a uma internet gradualmente mais descentralizada. Deste modo, algumas criptomoedas ganham particular interesse na crescente interação com o metaverso.
As Big Tech têm o monopólio da Web 2.0. Mas as tecnologias da Web 3.0, como o metaverso e a criptoeconomia, tentam defender-se das grandes tecnológicas porque receiam limitações à descentralização. O Facebook alterou recentemente o seu nome para Meta, demonstrando particular interesse pelo mundo virtual. O gigante das redes sociais procura a liderança do nascente metaverso da realidade virtual.
A Web 1.0 refere-se ao primeiro estágio da evolução da ‘World Wide Web’, baseada na interação entre os criadores de páginas de internet e os seus utilizadores, mas não usava algoritmos para filtrar as páginas de Internet, o que tornava difícil para os utilizadores encontrarem informações relevantes. A Web 2.0 é atualmente a internet dominante, teve início em 2005 e é conhecida como ‘web social participativa’.
Todavia, a postura gradualmente mais ‘hawkish’ da Reserva Federal dos EUA (Fed) poderá refrear os metaversos. O êxito no início do ano dos NFTs deveu-se não só à novidade e utilidade criada para criptomoedas como o ETH, mas também ao dinheiro fácil que surge sempre na esteira de políticas monetárias energicamente expansionistas, neste caso para responder à crise económica ditada pela pandemia e, consequente, confinamento.
De acordo com os futuros negociados na bolsa de derivados de Chicago, o Quantitative Easing da Fed deverá terminar no primeiro trimestre de 2022 e seguir-se-á uma política monetária contracionista refletida numa subida de taxas de juros de 75 pontos base até ao final do ano.
Paulo Monteiro Rosa In Vida Económica 17 dezembro 2021
sexta-feira, 10 de dezembro de 2021
2022: mais uma odisseia à volta do sol
Há um ano o otimismo, impulsionado pelas vacinas, reinava entre os investidores,
mas poucos previam a robustez das valorizações que empurraram as ações
europeias e norte-americanas para máximos históricos consecutivos ao longo de
2021. Poucos antecipavam as sucessivas valorizações das criptomoedas,
impulsionadas nomeadamente pelo Ethereum e os NFTs (Non Tangible Token) que
surgiram à sua volta. Marcaram também 2021, a desaceleração chinesa e a crise
de liquidez que tem afetado os seus promotores imobiliários, bem como a
multiplicação histórica de SPACs (Special Purpose Acquisition Company) e a
valorização das fabricantes de veículos elétricos.
A evolução da pandemia, e tudo o que a rodeia, tem sido o principal motor do
mercado há quase dois anos, causando um ‘selloff’ histórico em março de
2020 e, em seguida, uma recuperação sustentada pelos programas de vacinação que
permitiram a gradual reabertura da economia. Atualmente, as preocupações
pandémicas regressaram sob a capa da nova variante ómicron. É provável que o
novo coronavírus SARS-CoV-2, responsável pela doença Covid-19, se torne
secundário no próximo ano, à medida que o aparecimento de comprimidos
antivirais orais da Pfizer e da Merck aumentem a capacidade para superar a
infeção. Talvez o vírus se torne um incómodo endémico, mas controlável. Ainda
assim, se há algo que a pandemia nos ensinou é que estratégia no mercado
acionista é uma coisa e a epidemiologia é outra. Mesmo que o vírus
desaparecesse por completo, continuaria provavelmente a definir o rumo dos
mercados acionistas, pela simples razão que deixaria de existir racional para
continuarem os estímulos orçamentais e monetários, dois dos principais motores
da exuberância deste ano, espelhada na valorização dos mercados acionistas e dos
criptoativos, e aumento de SPACs.
A elevada inflação este ano tem sido gerível porque os crescentes lucros
provaram que as empresas conseguem repassar os custos mais elevados (desde matérias-primas
à mão de obra) para um consumidor que continua disposto a gastar. Se as
pressões inflacionistas forem gradualmente diminuindo nos próximos meses,
nomeadamente depois da primavera, talvez o mercado acionista não reaja em forte
alta, porque muito provavelmente as ações já descontam esse potencial fenómeno
de alívio de inflação. Mais ou menos acelerado, o ‘tapering’ da Reserva
Federal dos EUA e as três subidas de taxas de juro da Fed previstas pelos
futuros da bolsa de Chicago, poderão abrandar a inflação. Todavia, se as
pressões sobre os preços persistirem, ou mesmo se intensificarem, o cenário
passa de gerível e benéfico a tortuoso e indesejável no que concerne às ações. Estas
são apenas uma boa proteção contra a inflação temporária, refletida em desequilíbrios
pontuais entre a oferta e a procura. Um intervalo de inflação transitória entre
3% a 5% é administrável. Mas uma inflação prolongada penalizaria os lucros das
empresas e resultaria numa estagflação, espelhada numa inflação estrutural em
que a produção não conseguiria responder à procura. A inflação elevada também
pressionaria os bancos centrais a apertar consideravelmente a sua política
monetária, aumentando assim os custos dos empréstimos para países muitos
endividados, como Itália. O impacto da redução de compras do BCE de dívida
periférica europeia está talvez entre os maiores riscos observáveis no próximo
ano, mas outros cisnes negros podem sempre aparecer.
A transição energética poderá tornar a inflação estruturalmente mais alta, mas
a descarbonização cria também oportunidades de investimento, e os carros
elétricos são o exemplo mais conhecido. O partido alemão ‘os verdes’ suporta a
atual coligação de governo germânico e poderá impulsionar ainda mais os
investimentos ‘verdes’. Entre as restrições chinesas e as políticas de Xi
Jinping também, com certeza, existirão oportunidades de investimento, como seja
o renovável.
O ‘rebranding’ do Facebook chamou a atenção para um espaço crescente de
atividade económica fora do mundo físico. Os ‘metaversos’, os mundos digitais
são realidades crescentes onde as pessoas podem socializar e fazer negócios.
Todavia, os potenciais cisnes negros no próximo ano podem ir das tensões em
Taiwan a uma assinalável crise económica da Turquia após a queda da lira, ou do
voto presidencial francês às eleições de meio de mandato nos EUA.
Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 10 de dezembro 2021
segunda-feira, 29 de novembro de 2021
Atual inflação é conjuntural
Cada moeda tem uma taxa de juro subjacente que evolui de
acordo com o comportamento da economia e do andamento da política monetária do
banco central. São inúmeras as taxas de juro, desde as de curto prazo às de
longo prazo. Juros nominais ‘versus’
reais. As taxas de juro do crédito ao consumo e as do crédito à habitação.
Tal como existem várias taxas de juro, temos também
diferentes medidas de inflação, como por exemplo: os preços no produtor, os
preços no consumidor e os preços do imobiliário. Numa ótica ‘upstream & downstream’, a montante
da cadeia de valor, os preços no produtor medidos pelo IPP são voláteis e
refletem os preços das matérias-primas, desde metais industriais aos produtos
agrícolas e à energia. Atualmente, os preços no produtor têm subido
significativamente a nível global. Na Alemanha, o IPP aumentou 18,4% em
outubro, a maior subida desde novembro de 1951, e sem energia cresceu 9,2%. Em
Espanha, o IPP acelerou 31,9% em outubro, o mais elevado desde janeiro de 1976,
mas sem energia o acréscimo foi de 9,7%. Nos EUA, a subida do IPP em outubro
foi de 8,6%, a mais alta desde 2010, e excluindo alimentação e energia subiu
6,2%. Na China o aumento em outubro foi de 13,5%, o mais elevado dos últimos 26
anos.
A jusante na cadeia de valor, a subida do IPC está aquém do IPP. Na Alemanha, o
IPC aumentou 4,5% em outubro, o mais elevado desde agosto de 1993. Em Espanha, subiu
5,4%, o valor mais alto dos últimos 29 anos, penalizado pelos preços da
eletricidade e dos combustíveis. Na China, o IPC aumentou 1,5% em outubro. Nos
EUA, o IPC subiu 6,2% em outubro, a maior subida desde novembro de 1990, agravada
pelas dificuldades nas cadeias de abastecimento, como congestionamento
portuário, escassez de ‘inputs’ e mão
de obra, subidas dos custos de energia e aumentos salariais. O IPC sem energia
e alimentação acelerou 4,6%, o mais elevado desde agosto de 1991. O indicador da
inflação no consumidor medido pelo PCE ‘core’,
bitola pela qual se rege a Reserva Federal dos EUA (Fed) na prossecução da sua
política monetária, aumentou 4,1% em outubro, o maior desde janeiro de 1991.
Em 2010, o preço do cobre atingiu um máximo histórico de 4,5 dólares por libra
(453 gramas), desceu gradualmente até 2 dólares no final de 2015 e, atualmente,
é novamente de 4,5 dólares. Em 2008, e de 2011 a 2014, o Brent cotou acima dos
100 dólares por barril, desceu até 35 dólares em 2016 e hoje cota nos 70
dólares.
O IPP é mais volátil que o IPC porque reflete melhor os ciclos económicos. A
estabilidade dos salários nas últimas décadas afasta boa parte da volatilidade
do IPC e confere-lhe um valor consideravelmente mais baixo relativamente ao
IPP.
O preço do imobiliário nos EUA, medido pelo índice Shiller, aumentou 19,5% de setembro
de 2020 a setembro de 2021. Um ritmo que abrandou, mas é mais elevado do que em
qualquer altura de forte subida dos preços das casas no período de 2003 a 2006,
antes da crise imobiliária nos EUA. A teoria quantitativa da moeda representa o
equilíbrio entre dinheiro e produção. A política acomodatícia da Fed, nos
últimos 20 meses, impulsionou a inflação imobiliária e a subida das ações, mas
penalizou a poupança real e os detentores de liquidez, corroborando o efeito Cantillon.
Boa parte do dinheiro só chega às empresas e às famílias se o analista de
crédito dos bancos comerciais aprovar os financiamentos, logo o impacto do aumento
da quantidade de dinheiro no IPC é baixo. Além disso, a velocidade na
circulação de moeda está em mínimos históricos.
De realçar que, atualmente, os EUA conseguem produzir mais do que em 2019 e com
menos 5 milhões de trabalhadores, sinal de aumento de produtividade e
capacidade de mitigar as subidas salariais no IPC.
A subida dos preços da energia e as interrupções nas cadeias de abastecimento
configuram uma inflação conjuntural. Os preços aumentam numa economia cuja
procura excede a oferta, mas se existir um aparelho produtivo estruturado e
refletido num excesso de capacidade instalada, mais cedo ou mais tarde os
preços tendem a regressar à normalidade.
Todavia, há uma potencial inflação estrutural no horizonte, ou seja, no longo
prazo a China será menos deflacionista do que no passado, a descarbonização tem
custos, os ‘baby boomers’ chegam
gradualmente à reforma, e há sinais de um maior protecionismo para diminuir a
dependência do exterior e mitigar as dificuldades nas cadeias de abastecimento causadas
pela pandemia.
Paulo Monteiro Rosa
sexta-feira, 26 de novembro de 2021
“Veni, vidi, vici” com a volatilidade das criptomoedas
Uma das principais estratégias de sucesso no Jogo da Bolsa é apostar em títulos
que sejam bastante voláteis. A volatilidade permite ganhos consideravelmente elevados
desde que o jogador esteja do lado certo, quer na subida quer na descida. Por
exemplo, as criptomoedas têm subjacente elevada volatilidade e permitem aos
jogadores alcançarem os lugares cimeiros do Jogo da Bolsa, desde que estes
assumam posições longas (compradoras) nas criptomoedas quando estas sobem e
posições curtas (vendedoras) quando as criptomoedas caem.
Todavia, a adoção de uma constante postura ativa em títulos voláteis tem riscos
elevados associados e que são exponenciados quando esta estratégia é
acompanhada por alavancagem. Esta tática poderá colocar em causa o património.
O binómio risco retorno está aqui bem patente, sob a milenar premissa de que
quanto maior é o retorno, maior é o risco.
A volatilidade tem marcado a
vida das criptomoedas desde a criação da primeira há 13 anos, a Bitcoin (BTC).
Gradualmente foram surgindo mais, denominadas de altcoins, e ainda hoje continuam a proliferar.
A BTC nasce na esteira da
grande recessão de 2008 e 2009 como reação à resposta dos principais bancos
centrais das economias desenvolvidas à crise financeira. O BoJ, a Fed e o BCE
procuraram mitigar a incerteza e a desconfiança que se vivia no mercado
monetário com a expansão significativa dos seus balanços no intuito de
estabilizar os mercados financeiros e estimular a economia. A nova política
monetária energicamente expansionista (QE) permite comprar títulos de dívida,
em grande parte pública, e fornecer à economia toda a liquidez necessária para
fomentar o crescimento económico. Todavia, a quantidade de moeda, desde dólares
a euros, cresceu significativamente e os balanços da Fed e do BCE aumentaram
quase dez vezes nos últimos 13 anos.
A volatilidade da BTC é um
relevante entrave à sua condição de reserva de valor, mas, em boa verdade, as
subidas têm superado em muito as descidas e a tendência é altista. Para que
algo seja usado como reserva de valor precisa de ter algum valor intrínseco.
Por exemplo, o ouro tem propriedades físicas ímpares e valor histórico que o acompanha
desde os primórdios das civilizações humanas. O império Inca na América do Sul,
sem contacto com o resto do mundo, desde cedo valorizou as qualidades
intrínsecas do ouro. Na Grécia Antiga, eram utilizadas moedas de ouro para
facilitar as trocas. Todavia, se a BTC não tiver sucesso como meio de troca, dificilmente
terá utilidade prática e, portanto, o seu valor intrínseco será colocado em
causa e poderá perder a atratividade como reserva de valor. Alguns entusiastas
da BTC referem que a sua criptomoeda é apenas reserva de valor e não foi criada
nem para facilitar as trocas, nem para ser uma referência de preços como
unidade de conta. No entanto, o padrão-ouro é uma reserva de valor, facilita as
trocas e serve como unidade de conta e foi utilizado a nível mundial até 1971.
Quando as mercadorias competem pelo papel da moeda, aquela que com o passar do
tempo consegue manter o seu valor toma o lugar de principal moeda. O uso do
ouro como dinheiro tem milhares de anos.
A BTC tem relativas
dificuldades em desempenhar a função de unidade de conta, isto é, fornecer um
referencial para os preços dos bens e serviços devido também à sua elevada
volatilidade. E ainda como unidade de conta, nem a maioria das empresas, nem
nenhum país, excetuando El Salvador, a aceitou como pagamento.
Apesar da robusta expansão
monetária, na última década, a taxa de inflação, quer do dólar quer do euro,
manteve-se sempre bastante ancorada. Alguns anos foram mesmo marcados por
períodos deflacionistas alicerçados nos avanços tecnológicos e na crescente
globalização e entrada da China no comércio mundial há cerca de 30 anos.
Todavia, apesar da inflação não ter acelerado como era expectável pela
comunidade da BTC, em consequência da musculada criação de moeda pelos bancos
centrais, cada BTC valorizou significativamente de 0,10 dólares em meados de
2010 para os atuais 58 mil dólares.
Em 2018, a Fed tentou reverter a política monetária, mas desistiu, após 20
meses, devido à desaceleração económica. No entanto, nesse ano a BTC perdeu
mais de 70%.
Os futuros das taxas de juro da Fed negociados na Bolsa de Derivados de Chicago
antecipam, atualmente, três subidas de um quarto de ponto cada, em maio, julho
e dezembro, ou seja, terminar 2022 no intervalo de 0,75% a 1%. Este facto
corrobora uma retirada total dos estímulos monetários de 120 mil milhões de
dólares de compras mensais ainda no primeiro trimestre de 2022. Este cenário de
regularização poderá suportar o dólar relativamente à BTC, mas aumenta o risco
de abrandamento económico.
A BTC é teoricamente uma moeda deflacionista porque a emissão está limitada a
21 milhões de unidades de acordo com o protocolo da sua Blockchain. Neste
momento existem 18,8 milhões de moedas e, em média, a cada 10 minutos são
emitidas 6,25 BTC, o que perfaz 900 BTC diariamente e um total de 328 500 BTC
num ano. Logo, temos, atualmente, uma criação de 1,7% de BTC anualmente, o que
lhe confere este cariz inflacionista, ainda que residual.
As moedas fiduciárias, sendo o dólar e o euro as principais a nível global,
permitem aos bancos centrais mitigar crises financeiras, dar liquidez ao mercado,
estimular a economia e reestabelecer ou impulsionar a confiança no sistema, mas
a criação de moeda não está limitada, tem um carater inflacionista. A inflação
é um custo para os detentores de moeda, mas beneficia quem tem dívidas.
A moeda fiduciária estimula mais crescimento económico via endividamento, mas
há uma probabilidade acrescida de aparecimento de inflação indesejável. Uma
moeda mercadoria, ou seja, com emissão limitada como a BTC, dificulta a
superação de uma crise financeira. Os detentores de moeda mercadoria como a BTC
podem recusar-se a ceder crédito, e, consequentemente, projetos de interesse
relevante, espelhados em mais trabalho produtivo e bens e serviços de crescente
utilidade, podem ficar para trás, implicando menos crescimento económico e
menor maximização do bem-estar da população.
Paulo Monteiro Rosa, In Jornal de Negócios, 29 de novembro 2021
Quem ganha com inflação elevada?
A inflação de preços no consumidor aumenta à medida que a procura supera a oferta de bens e serviços. Os aparelhos produtivos desestruturados dos países subdesenvolvidos, acompanhados pela desconfiança nas instituições e por baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), refletidos em défices educacionais e sanitários, culminam numa significativa insuficiência de oferta de bens e serviços incapazes de colmatar a procura das populações. Muitas vezes a inflação aumenta significativamente e dá lugar a hiperinflação que, em boa verdade, atua como uma taxa moderadora que afasta do consumo os mais desfavorecidos, ou seja, grande parte da população e agrava consideravelmente o bem-estar.
Atualmente, as economias avançadas têm níveis de inflação manifestamente elevados, mas os principais bancos centrais continuam a referir o seu caráter temporário. O excesso de capacidade instalada nas economias avançadas é uma das principais razões para considerarmos a atual subida de preços como transitória. Há décadas que a capacidade produtiva das empresas das economias mais desenvolvidas suporta facilmente a procura de bens e serviços e, deste modo, mantém a inflação baixa, a par dos avanços tecnológicos e da contribuição da globalização.
Ora, a pandemia ditou o encerramento de parte da capacidade instalada nos países desenvolvidos e, consequentemente, forte diminuição dos ‘stocks’ nos meses de confinamento. Seguiu-se a gradual retoma da atividade económica, que teve desde sempre à sua disposição a plena capacidade instalada, mas os ‘stocks’ tiveram que ser paulatinamente repostos. Consequentemente, a produção e oferta de bens e serviços não tem conseguido acompanhar a crescente procura reprimida durante o confinamento, resultando numa subida considerável da inflação. Além do mais, o confinamento desestruturou grande parte das cadeias de abastecimento mundiais e a subida dos preços tem sido também agravada pela crescente política de descarbonização.
Em suma, a capacidade instalada existe e permite responder cabalmente à procura das populações, mas as atuais deficiências nas cadeias de abastecimento dificultam a entrega às empresas, nomeadamente às fábricas, das matérias-primas necessárias à sua produção. A subida da energia e a falta de mão de obra concorrem adicionalmente para a subida dos preços.
De nada vale uma eficiente capacidade instalada se faltarem ‘inputs’. A inflação mais elevada poderá permanecer enquanto as cadeias de abastecimento não forem restabelecidas, a OPEP+ não repuser os seus cortes de produção, o ‘Shale Oil’ nos EUA não retomar a sua plena atividade e as pessoas não regressarem aos seus empregos. Quando parte destas variáveis se alinharem, os preços provavelmente deixarão de aumentar ao atual ritmo. Todavia, a economia chinesa tende a abrandar e dificilmente contribuirá para a deflação das economias avançadas tal como no passado e a descarbonização tem custos refletidos em preços da energia mais caros.
Enquanto isso, inflação mais elevada penaliza aforradores e pensionistas e beneficia devedores. Quem aforra deseja baixa inflação e juros mais elevados, ou seja, taxas de juros reais significativamente elevadas e quem tem dívidas ambiciona, obviamente, o contrário, isto é, juros mais baixos e inflação mais alta. No longo prazo estas varáveis estão correlacionadas positivamente (o nível de inflação define a taxa de juro) e os seus valores tendem a ser semelhantes, sendo a taxa de juro habitualmente superior à inflação.
O crescimento económico é impulsionado geralmente por projetos inovadores. Existem muitos agentes económicos com boas ideias, mas nem todos têm capitais próprios para financiá-las. Apenas adequados mercados financeiros permitem financiar projetos, através de empréstimos, capazes de suportar boas ideias de negócio que de outro modo ficariam na gaveta. No entanto, os aforradores podem em momentos de incerteza travar o acesso a fundos por parte dos empreendedores e dificultar o crescimento económico. É também nestas alturas que os bancos centrais adotam políticas monetárias inflacionistas, assumindo uma postura ativa nos mercados monetários e fornecendo toda a liquidez necessária para que a economia não desacelere ou regresse ao crescimento. Mas esta política poderá redundar em inflação indesejável, financiar e suportar empresas ‘zombies’, inviabilizar novos projetos e atrasar a renovação do tecido empresarial.
Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 26 de novembro de 2021
sexta-feira, 19 de novembro de 2021
A economia após a pandemia
Ainda que o ano de 2020 tenha iniciado com um elevado
otimismo dos investidores, no último trimestre de 2019, em resposta aos sinais
de abrandamento da economia global, as políticas monetárias expansionistas
praticadas pelos bancos centrais das maiores economias, ao longo da última
década, acentuaram-se ainda mais contribuindo para a ausência de ativos
financeiros geradores de um rendimento estável e com baixo risco de preço. As
políticas mais flexíveis de estímulo monetário, espelhadas num reforço
acrescido de liquidez aos mercados, aos investidores e às economias,
impulsionaram os níveis de apetite por ativos financeiros com maior risco,
culminando em máximos consecutivos das bolsas norte-americanas, e do principal
índice alemão, DAX30, já em 2020.
Os preços alcançados por esses ativos atingiram níveis apenas justificados pela
falta de alternativas de investimento e pela crença que o ano de 2020, se iria
desenrolar sem sobressaltos de maior. Os mercados, até ao fenómeno Covid-19,
registavam valorizações significativas nos últimos anos, e as ações
norte-americanas subiam há 11 anos consecutivos, no que foi o maior período de
tendência altista, vulgarmente conhecido por bull market, de sempre
das bolsas. O Covid-19 foi o trigger. O pavio estava lá, seco e
quente, apenas à espera da faísca.
Ora, quando se avaliam ativos incertos com base em pressupostos que se
aproximam de um cenário de perfeição, a realidade tende, mais cedo ou mais
tarde, a revelar-se menos perfeita. Essa constatação invariavelmente reflete-se
em correções mais ou menos violentas dos preços dos ativos, que têm sido, neste
caso, impactadas negativamente pelo a alastrar do Coronavírus, e pelas
perspetivas, que vão sendo consecutivamente revistas em baixa, para o
crescimento económico. A recessão económica é uma realidade, desconhecendo-se a
sua magnitude…
Os restantes meses do ano 2020 continuarão a ser afetados pela evolução e ritmo
da propagação do vírus Covid-19, especialmente se houver uma 2ª ou mesmo uma 3ª
vaga! Atualmente, o coronavírus é responsável por uma das maiores quedas de
sempre do mercado acionista, comparáveis à grande depressão de 1929. À medida
que o tempo passe, tomaremos conhecimento detalhado dos impactos económicos das
restrições à circulação de pessoas. O encerramento de muitos organismos
públicos, de estabelecimentos comerciais e paulatinamente das fábricas, quer
pelo aparecimento de colaboradores infetados ou por falta de encomendas ou
mesmo de matérias-primas, terão um impacto significativamente negativo na
economia. Assistiremos ao aparecimento de algum “cisne negro”? Estará para
acontecer algo inimaginável, com um impacto económico impossível de mensurar?
Os subsídios de desemprego, um leading indicator importante da
economia norte-americana, registou esta semana uma subida de 70 mil novos
subsídios, para um total de 281 mil, valor mais alto desde meados de 2018. As
perspetivas são de agudização nos próximos tempos, alcançando, muito
provavelmente, os 400 mil em finais de abril. O mercado aguarda igualmente, com
bastante expectativa, os números da confiança empresarial relativos ao mês de
março, os denominados PMI. O vírus propaga-se, os impactos económicos
agravam-se e as revisões em baixa das empresas relativamente aos seus
resultados multiplicam-se.
Ninguém sabe o rumo que esta pandemia irá tomar. No entanto, ainda que se
mantenham os níveis relativamente baixos de letalidade nos 2%, concentrados
principalmente na população mais idosa e com morbilidade associadas,
acreditamos que este cenário poderá causar uma disrupção significativa nas
estruturas económicas globais no 2º trimestre, uma visão realista neste
momento. Eventualmente, com algum otimismo, poderemos assistir a uma
recuperação no 2º semestre do ano. Uma vez que estamos a lidar com elevados
índices de incerteza, há a necessidade imperiosa de nos adaptarmos
continuamente face às informações oficiais que nos chegam sobre este tema. Será
essencial, portanto, para as empresas, ajustarem rapidamente a sua estratégia à
realidade.
As respostas das autoridades para relançar a atividade económica e mitigar
eventuais efeitos negativos desta crise de saúde pública já estão em curso há
algum tempo. A China, que atualmente regressa lentamente à normalidade, iniciou
esse processo em janeiro com o banco central a renovar estímulos monetários. Já
o banco central norte americano cortou extraordinariamente duas vezes as taxas
de juro, em 50 e em 100 pontos, respetivamente, retomando-as a níveis
históricos, no intervalo entre de 0% a 0,25%, que manteve durante 7 anos, após
a crise financeira de 2008. A 23 de março, a FED avançou ainda com um Quantitative
Easing (QE) ilimitado para amparar economia dos EUA.
Por sua vez, o Banco de Inglaterra cortou também duas vezes as taxas diretoras,
em 50 e 15 pontos, respetivamente, para o nível mais baixo de sempre de 0,1% e
reforçou ainda a compra de títulos de dívida.
Finalmente, o Banco Central Europeu, após ter referido em março que iria
aumentar as compras de ativos em 120 mil milhões de euros no ano de 2020, sendo
que o QE já era de 20 mil milhões de euros mensais, decidiu posteriormente
fortificá-lo significativamente com mais 750 mil milhões de euros até ao final
do ano. O balanço do BCE aumentará para cerca de 5,5 biliões de euros, metade
do PIB da Zona Euro, valor que quintuplicou em 10 anos.
Este novo ciclo de suporte monetário será também acompanhado de um relaxamento
da política orçamental, com estímulos fiscais e aumento da despesa pública,
tanto na Europa como nos Estados Unidos. As eleições presidenciais
norte-americanas, em novembro, tinham já contribuído para a existência de maior
apoio à atividade económica pelo presidente em funções, que agora será
consideravelmente reforçada.
O resto do ano deverá continuar a ser pautado por baixas taxas de juros nos
produtos sem risco de crédito, encaminhando os investidores para as
alternativas com maior risco, isto é, para as obrigações de emitentes com menor
qualidade creditícia e para as ações. Porém, no momento atual, apesar de
aparecerem boas oportunidades nas empresas com fundamentais resilientes e
equipas de gestão de qualidade, também castigadas por este fenómeno, há uma
preferência por liquidez no curto prazo em virtude da elevada incerteza e
significativa volatilidade do mercado. As bolsas apresentaram no mês de março
um comportamento semelhante ao fatídico outubro de 2008, quando se registaram
os valores mais elevados para o VIX, o índice de volatilidade do índice
norte-americano, S&P 500.
O desempenho dos títulos em bolsa é inversamente proporcional à curva
exponencial do total de infetados com Covid-19. As ações e obrigações de maior
risco, nomeadamente as High Yield, estão a ser as mais penalizadas.
Uma recessão económica cada vez mais intensa é uma realidade perante o avanço
do Covid-19. O aumento do desemprego, e uma redução do rendimento disponível,
acarretará problemas acrescidos às famílias e empresas com dificuldades
financeiras. A subida do crédito malparado e o correspondente aumento das
imparidades dos bancos será uma realidade incontornável. Um setor bancário que
já estava há anos depauperado pelas taxas de juro negativas, que se traduziram
em margens muito estreitas, ou mesmo negativas, impactarão negativamente o
produto bancário. Também a pressão continuada sobre as comissões cobradas pelos
bancos, onde este setor ainda conseguia alguma receita substancial, deixará a
banca mais fragilizada. As linhas de financiamento do governo português,
suportadas por políticas comunitárias coordenadas, apoiarão grande parte do
tecido empresarial português, espelhado em micro, pequenas e médias empresas,
na recuperação económica e financeira das mesmas. Finalmente, um suporte
relevante às famílias mais afetadas com a recessão económica, que se avizinha,
ajudará a atenuar a pressão sobre a banca nacional, e alivar o crescimento do
malparado.
Em suma, provavelmente, teremos uma recuperação em “V”, se o 2º semestre se
comportar positivamente. Mas se as sequelas financeiras do Covid-19 forem mais
duradouras, então a recuperação será em “U” ou em “L”. A incerteza é a palavra
chave de momento…
PMR In PME Magazine 23 de março 2020
Proliferação de criptos facilita esquemas Ponzi?
Os esquemas fraudulentos são uma realidade desde os primórdios da civilização e acentuam-se em períodos de maiores debilidades financeiras e taxas de desemprego mais elevadas, acompanhados de um ambiente crescente de dinheiro fácil. Os poucos conhecimentos financeiros reforçam a proliferação e sucesso destas fraudes. As dificuldades financeiras ditadas pela pandemia e o dinheiro fácil impulsionado pelas políticas acomodatícias dos bancos centrais para mitigarem a crise económica pandémica, provavelmente intensificaram os esquemas fraudulentos e o número de pessoas aliciadas por estes.
Os esquemas Ponzi são dos mais utilizados e consistem em burlas disfarçadas de investimento. Estes estratagemas geralmente prometem elevados retornos com pouco ou nenhum risco e os lucros dos investidores mais antigos são pagos com depósitos dos investidores mais recentes. Ou seja, são esquemas piramidais que subsistem enquanto a base for maior que o topo e os investidores não resgatarem o seu dinheiro.
Atualmente, as criptomoedas são uma realidade crescente e a tecnologia ‘blockchain’ subjacente confere-lhes segurança e privacidade. Os principais bancos centrais mundiais aceleram a criação de moedas digitais, as denominadas ‘Central Bank Digital Currency’ (CBDC), para superarem a presente ameaça à sua hegemonia.
Ora, no seio da gradual multiplicação de criptomoedas - já são quase oito mil - haverá provavelmente umas moedas com vida mais curta do que outras. Existem moedas digitais que nem sequer cumprem um dos propósitos basilares que esteve na génese das primeiras, a de serem deflacionistas, ou seja, moedas mercadorias digitais que pela sua escassez inscrita no protocolo estão limitadas na sua emissão. Uma ‘separação do trigo do joio’, tal como na bolha das ‘dotcoms’, pode ser uma realidade no futuro.
O valor de mercado das criptomoedas aumentou seis vezes nos últimos 12 meses e é, atualmente, de quase três biliões de dólares, cerca de 13% do PIB norte-americano. A bitcoin (BTC) representa cerca de 40%, o Ethereum (ETH) 20%, as principais ‘altcoins’ 20% e as restantes criptomoedas 20%. Os entusiastas quer da BTC quer da ETH sustentam que as suas moedas representam uma cabal reserva de valor e apostam numa capitalização idêntica à do ouro de 11,5 biliões de dólares. Se essa valorização se efetivasse, muitas mais criptomoedas apareceriam do nada, mais liquidez e recursos seriam retirados da economia, mais riqueza ‘virtual’ seria criada e mais “ricos com pés de barro” surgiriam. A criação de riqueza é suportada pela produtividade e são precisas pessoas para fornecer bens e serviços. Por exemplo, a economia dos EUA superou os níveis pré-pandémicos com menos 5 milhões de trabalhadores (a taxa de participação desceu de 63% em 2019 para 61,6%), um aumento de produtividade, mas, obviamente, não o suficiente para manter toda a gente a viver dos rendimentos dos criptoativos! Quem trabalha?
Este dinheiro fácil poderá sustentar de forma duradoura esquemas Ponzi porque a valorização das criptomoedas poderá suportar o resgate dos investimentos e viabilizar uma pirâmide invertida durante algum tempo. Quanto maior é a árvore, maior é o tombo. Até lá, a bolha vai crescendo, impulsionada pelos bancos centrais, cujos balanços, Fed, BoE e BCE aumentaram cerca de 10 vezes desde a grande recessão de 2008/09. O fator TINA (‘There Is No Alternative’) e o FOMO (‘Fear of Missing Out’) têm impulsionado as valorizações dos ativos e podem alimentar esquemas Ponzi. Além das criptomoedas, há atualmente variadas ofertas financeiras bastante apelativas, alicerçados em NFT (‘Non-Fungible Token’), Fan Tokens, SPAC (‘Special Purpose Acquisition Companies’, as denominadas empresas de cheque em branco) e IPO que poderão facilitar esquemas Ponzi e espoletar dificuldades financeira no futuro, nomeadamente com a reversão da atual política monetária expansionista dos bancos centrais.
O valor dos IPO, SPAC e cotação direta (Direct Listing) nos
EUA, desde o início do ano, ultrapassou um bilião de dólares, ou seja, mais do
dobro de 2020 e mais de 6 vezes superior à média dos últimos dez anos. Na
semana passada, o IPO da fabricante de camiões elétricos Rivian alcançou 56 mil
milhões de dólares, apenas superado pela cotação direta da Coinbase de 85,8 mil
milhões em abril. Em março, a Roblox conseguiu 45,3 mil milhões, a terceira
maior este ano. A Amazon foi avaliada em 438 milhões no seu IPO em 1997…
PMR In VE 19 de novembro 2021
segunda-feira, 15 de novembro de 2021
Rácios e gráficos que mostram a evolução económica
A alavancagem é uma das principais ferramentas dos participantes no jogo da
bolsa para serem bem-sucedidos. A utilização de crédito permite-lhes
exponenciar os seus investimentos e serem um dos primeiros no último dia do
jogo. Todavia, é preciso tentar perceber se o mercado é de alta ou de baixa de
acordo com a fase do ciclo económico em que nos encontramos ou se determinado
ativo tende a subir ou a descer. Para isso é importante ter uma noção do atual
estágio em que se encontra a evolução económica. Os preços dos mais variados
ativos financeiros ajudam-nos a monitorizar a evolução da economia e há alguns
que são bastante pertinentes, como os preços das commodities, nomeadamente do petróleo (energia), do cobre (metais
industriais) e do ouro (metais preciosos), bem como as taxas de juro do mercado
monetário e dos rendimentos do tesouro.
A configuração da curva de rendimentos oferece uma boa leitura da atual fase
económica. Taxas de juro de curto prazo aos níveis das taxas de juro de longo
prazo é caracterizada por uma curva horizontal e espelha estagnação económica.
Um declive negativo reflete recessão económica, definida pela elevada incerteza
e, consequente, aumento significativo das taxas de juro no curto prazo. No
entanto, uma curva de rendimentos crescente revela expansão económica refletida
nas taxas de juro de curto prazo mais baixas, que evidenciam confiança e
alimentam o crescimento económico, e nas taxas de longo prazo mais elevadas que
realçam expectativas mais altas para a inflação impulsionadas pelas
expectativas de um robusto crescimento económico. Atualmente, a procura cresce
significativamente e a oferta tem dificuldades em acompanhar no curto prazo,
mas as economias desenvolvidas têm potencial e capacidade instalada para
alcançar no médio ou longo prazo um robusto crescimento económico. Haja
potencial na economia e a oferta, as cadeias de abastecimento e a capacidade
instalada no longo prazo ajustar-se-ão e aliviarão o nível de inflação.
A relação entre o cobre, um dos principais metais industriais, e o ouro, um dos
principais metais preciosos, espelha a cada momento a intensidade da atividade
económica e o nível de incerteza. À medida que a recuperação económica é uma
realidade, a incerteza tende a dissipar-se e a subida da cotação do ouro abranda
ou cai, enquanto a aceleração da atividade económica aumenta a necessidade de
cobre e a cotação deste metal industrial sobe. Ou seja, um rácio entre o cobre
e o ouro mais elevado reflete uma aceleração económica, mas uma descida do
rácio espelha um abrandamento da atividade.
Desde janeiro de 2018 a março de 2020, o rácio caiu cerca
de 45%, a espelhar um abrandamento económico mesmo antes do confinamento da
primavera do ano passado ditado pela pandemia e que provocou uma recessão
económica. Desde março do ano passado o rácio aumentou cerca de 90% e reflete a
redução da incerteza e o aumento gradual da atividade económica.
A curva do petróleo é outro bom indicador da atual fase do ciclo económico.
Cotações mais baixas nos prazos mais curtos relativamente aos prazos mais
longos, fenómeno conhecido por contango,
é caracterizado por uma curva com inclinação positiva e reflete uma recessão
económica global. Preços no curto prazo consideravelmente mais baixos mostram a
fragilidade da procura devido às incertezas e à forte desaceleração económica.
Por exemplo, o fenómeno contango teve
lugar em 2008, 2009 e em 2020, períodos de recessão económica. Atualmente, a
curva do petróleo já reverteu novamente para o habitual backwardation, cotações no curto prazo mais elevadas que no longo,
e reflete expansão económica. A crescente procura excede a oferta de petróleo e
reflete a retoma económica. Porém, a OPEP+ ainda não repôs os cortes realizados
no ano passado para suster a queda das cotações devido à forte contração da
atividade económica ditada pela pandemia e consequente confinamento global.
A análise de preços pode
ser complementada pelos dados macroeconómicos, mais especificamente por leading indicators que perspetivam a
evolução futura da economia. Nos EUA, os pedidos de subsídio de desemprego
semanais, os denominados Jobless Claims, refletem uma perspetiva adequada da
evolução futura do mercado de trabalho, da robustez da economia e das pressões
inflacionistas via custos salariais. Os lagging
indicators referem-se muitas vezes aos dados coletados há dois ou três
meses, caso das ofertas de emprego nos EUA (JOLTs), mas não deixam também de
ser relevantes para aferir a tendência histórica da interação entre a criação
de postos de trabalho, ofertas de emprego e subsídios de desemprego. O Índice
de Preços no Consumidor (IPC) nos EUA é um leading
indicator da inflação norte-americana e é divulgado mais cedo do que o PCE,
no entanto este último é que é mais frequentemente utilizado pela Reserva
Federal dos EUA na prossecução da sua política monetária.
PMR, In Jornal de Negócios, 15 de novembro
sexta-feira, 12 de novembro de 2021
Variáveis deflacionistas impulsionam economia
Os avanços tecnológicos impulsionam o crescimento económico e diminuem o nível
de inflação. “Ceteris paribus”,
quanto maior for o nível tecnológico, maior será o diferencial positivo entre a
produção de bens e serviços e a inflação dos mesmos, ou seja, mais elevado será
o bem-estar da população, refletido num robusto crescimento do PIB e numa baixa
taxa de inflação. Níveis mais elevados de educação, de conhecimentos e de
cuidados de saúde reforçam os avanços tecnológicos e permitem populações mais
informadas e mais saudáveis à disposição da economia, proporcionando um melhor
desempenho económico. Se aliado a um relativo grau de liberdade económica, quanto
mais elevado for o índice de desenvolvimento humano (IDH), maior será o
potencial de crescimento de uma determinada economia.
Também a globalização permite preços mais baixos, graças à maior concorrência e,
consequente, maximização do binómio qualidade/preço. Além de ter dado
oportunidade a muitos países de saírem da pobreza, a globalização, tal como
referia o economista inglês do séc. XIX, David Ricardo, na sua teoria das
vantagens comparativas do comércio internacional, permite que um determinado
país, mesmo que não seja competitivo em termos absolutos na produção de nenhum
bem, possa continuar a participar no comércio internacional e especializar-se naquilo
em que é mais produtivo. A tecnologia de cada país determina os seus custos
unitários e a sua produtividade. Quanto maior o grau de globalização, maior
será o potencial mundial de crescimento económico.
Da mesma forma, quanto mais pessoas produtivas estiverem aptas para trabalhar,
maior será o potencial de determinada economia. Se, por absurdo, todas as
pessoas estivessem doentes a produção cairia para zero. Analogamente, à medida
que envelhecemos a nossa aptidão para o trabalho produtivo diminui e,
consequentemente, o envelhecimento da população penaliza o crescimento
económico. Mesmo os conhecimentos técnicos e a experiência de uma vida, de
alguns aposentados, poderão estar indisponíveis devido a uma doença mental.
Até à entrada no mercado de trabalho, a população não produz quaisquer bens e
serviços, bem como depois da vida ativa. A primeira fase é de aprendizagem e
aquisição de conhecimentos essenciais para alicerçar um robusto crescimento
económico no futuro. A última fase é caracterizada pelo usufruto de uma vida de
trabalho e consumo gradual de cuidados de saúde inerentes ao avançar da idade.
Ambas as fases são inflacionistas. Todavia, a fase intermédia é idade produtiva
e é deflacionista, definida por uma capacidade de produção superior ao consumo.
Nos EUA os ‘baby boomers’ (nascidos
no pós-guerra até meados da década de 1960), retiram-se gradualmente do mercado
de trabalho e avolumam a população de dependentes impulsionada pelo aumento da
longevidade. Os norte-americanos não estão preparados para este crescente
aumento de pessoas necessitadas de mais cuidados, nomeadamente de saúde, o que
pressionará, talvez, em alta os salários das poucas pessoas preparadas para
desenvolverem esta atividade, mais um fator inflacionista.
A transição energética, espelhada numa política generalizada de descarbonização,
tem custos, logo é inflacionista. E apesar da descida significativa dos custos
das infraestruturas eólicas e solares na última década, a indisponibilidade
para uma necessidade constante de eletricidade é um problema (solar disponível apenas
de dia e eólica quando está vento) e os combustíveis fósseis continuam a
fornecer parte da eletricidade. Na prossecução do objetivo de descarbonização,
a energia nuclear poderia complementar a produção de eletricidade, mas há uma perceção
negativa quanto à utilização desta energia. Morrem mais pessoas de acidente de
automóvel do que de queda de avião, mas o receio de andar de avião é uma
realidade e o de um acidente numa central nuclear também. A mente humana
foca-se mais na concentração do risco do que na sua dispersão. O acidente
nuclear de Fukushima em 2011 impulsionou os preços da eletricidade no Japão nos
anos seguintes e ditou o encerramento de parte das centrais nucleares a nível global.
Em suma, os fatores deflacionistas impulsionam o crescimento económico, mas as
variáveis inflacionistas concorrem para uma menor produtividade e declínio da
atividade económica.
PMR In VE 12 novembro 2021
sexta-feira, 5 de novembro de 2021
Preço do ouro não indicia estagflação, mas a Bitcoin…
A inflação nos EUA, de acordo com o índice de preços no consumidor (IPC),
aumentou 5,9% de fevereiro de 2020, antes do confinamento ditado pela pandemia,
a setembro de 2021. Nesse período, o IPC subiu de 258.824 para 274.138, o que
representa uma taxa anualizada de 3,5%, talvez suficientemente elevada para
espoletar o início do ‘tapering’ da
Reserva Federal dos EUA (Fed) na próxima reunião de 3 de novembro.
Os futuros das taxas de juro da Fed (Fed Funds Rate) mostram uma probabilidade
de 60% de aumento das taxas na reunião de 15 de junho do próximo ano, ou seja,
uma subida de 25 pontos base para o intervalo [0,25% a 0,50%]. Este número
corrobora a expectativa de alguns analistas que estimam que a Fed anuncie o
início do ‘tapering’ provavelmente
ainda para meados deste mês. Uma gradual redução da compra de ativos de 120 mil
milhões de dólares ao longo dos próximos seis meses, para depois subir taxas de
juro em 15 junho de 2022. Os futuros evidenciam também uma probabilidade de 54%
de aumento de 50 pontos base, para [0,50% a 0,75%], a partir da reunião de 2 de
novembro de 2022.
Entre 1978 e 1981, numa das fases mais graves da estagflação da década de 1970,
o ouro quadruplicou de preço, mas o ‘Dollar Index’ caiu nesse período. No longo
prazo, e perante uma inflação persistente, o ouro tende a configurar um porto
seguro mais adequado do que o dólar. Mas a moeda norte-americana é um dos
melhores refúgios de curto prazo para enfrentar períodos rápidos de elevada
volatilidade, incerteza e preferência por liquidez.
O IPC nos EUA duplicou entre 1975 e 1981. Também nos últimos dois trimestres a inflação
tem subido consideravelmente. Todavia, a atual cotação do ouro, reserva de
valor milenar, mantém-se estável e não reflete qualquer receio de estagflação.
Bem pelo contrário, espelha uma inflação temporária, em linha com as
perspetivas dos principais bancos centrais, e uma economia capaz de corrigir as
atuais dificuldades nas cadeias de abastecimento no próximo ano. Persistem os ‘bottlenecks’ do lado da oferta, mas, por
exemplo, a maioria dos fabricantes de automóveis espera que a escassez de
semicondutores termine em meados do próximo ano e a Fitch Ratings avança mesmo
com uma expectativa de excesso de ‘chips’
em 2023. Os investidores, também, antecipam uma estabilização do mercado de
energia na primavera de 2022, após um inverno que se aproxima e que se antevê
rigoroso. Gradualmente as pessoas regressam ao emprego impulsionadas pela
diminuição dos receios quando à evolução da covid-19 e extinção dos subsídios
pandémicos ao desemprego, o que permitirá resolver os problemas de escassez de
mão de obra e preencher as ofertas de emprego em níveis históricos nos EUA.
O abrandamento económico nos últimos meses, acompanhado pela subida da
inflação, aumenta a ameaça de estagflação. Mas a bitcoin (BTC) valorizou 100%
desde os mínimos de meados de julho e alcançou novos máximos históricos. Será a
BTC percecionada, atualmente, como uma cabal reserva de valor e mais importante
do que o ouro? Em março do ano passado, início do confinamento ditado pela
pandemia, diante da incerteza e da volatilidade, a BTC perdeu 50% e o ouro caiu
14%, mas o dólar valorizou. Uma perceção mais ‘verde' da BTC será determinante
para os investidores? A extração de ouro consome mais eletricidade, cerca de
131 TWh anualmente, contra 112 TWh da BTC. Além disso, a mineração de BTC pode
escolher a região e localizá-la numa zona geográfica que possibilite consumir
apenas energia renovável (por exemplo, a energia geotérmica na Islândia e a
refrigeração natural). No entanto, como as minas de ouro não escolhem o local
de mineração, a disponibilidade elétrica nessa zona pode ser apenas conseguida
através de um combustível fóssil, por exemplo.
Todavia, o consumo de eletricidade está, em parte, correlacionado com a cotação
da BTC. Uma cotação mais elevada da BTC implicaria, tendencialmente, maior consumo
de energia. Um ‘market cap’ da BTC
equivalente ao do ouro, de 11 biliões de dólares e almejado pelos entusiastas
da BTC, resultaria provavelmente num consumo consideravelmente mais elevado de
combustíveis fósseis na mineração de BTC relativamente ao ouro. Mas os avanços
tecnológicos poderão criar supercomputadores mais eficientes que diminuam o
consumo de eletricidade.
PMR, Vida Económica, 2 de novembro 2021
quinta-feira, 28 de outubro de 2021
Na esteira da Modern Money Theory (MMT)
O custo da criação de dinheiro pelos bancos centrais é o imposto inflacionário, espelhado inicialmente na distorção dos preços dos títulos nos mercados financeiros e dos valores do imobiliário, e é tanto maior quanto mais facilmente essa nova moeda criada alcança a economia, impulsiona o consumo no retalho, origina inflação de preços e cria desigualdades na sua distribuição. Tal como referiu há três séculos o economista francês Richard Cantillon, a nova moeda não é neutra quando entra na economia e os grandes bancos, denominados de primary dealers, são os primeiros a recebê-la. A monetização da dívida pública através do aumento do endividamento público que é tomado, ainda que indiretamente, pelos bancos centrais, tem um custo que é o aumento de impostos. Sucessivos défices públicos e crescente subida da dívida soberana em relação ao PIB nominal sinalizam impostos diferidos que serão tão mais dilatados no tempo quanto maior for a capacidade e o vigor da economia subjacente, e a perceção dos agentes económicos e investidores dessa robustez, que permita acomodar facilmente a arrecadação de receita fiscal.
O objetivo primordial da MMT é o pleno emprego e os países com um banco central podem e devem criar moeda para suportar eventuais défices orçamentais crescentes, e o limite será o aparecimento de inflação. Como tal, todos as suas despesas poderiam, em princípio, ser financiadas por meio da criação de dinheiro. Mas a Teoria Quantitativa da Moeda refere que a quantidade de moeda é igual ao PIB nominal, logo se a nova moeda alcançar a economia e a produção agregada se mantiver estável, a inflação aparecerá. O PIB per capita japonês há 25 anos era dos mais elevados do mundo, hoje figura em 30º lugar e à paridade dos poderes de compra em 40º, mas a dívida pública subiu de 40% para 240% do PIB suportada pela monetização espelhada na subida do balanço do Banco do Japão (BoJ) que detém grande parte da dívida pública nipónica, todavia a moeda permaneceu estável, alicerçada num robusto setor exportador.
Adotando a MMT, os Estados podem substituir receitas por mais endividamento e, assim, reduzir consideravelmente o peso dos impostos que recaem sobre as suas populações? A diferença fundamental entre as finanças do governo e as das empresas e famílias não é o acesso a um banco central, mas, em vez disso, o poder coercivo para aumentar os impostos. Uma empresa com prejuízos não pode reduzir essa perda impondo impostos sobre todos os outros. Um governo pode. Um trabalhador que tem um corte salarial não pode forçar os outros a compensarem a diferença. Um governo pode. Os credores compreensivelmente estão dispostos a aceitar retornos mais baixos em títulos do governo do que noutros investimentos. O risco de incumprimento do governo face a um choque económico adverso é menor. Mas os países emergentes recorrem frequentemente à desvalorização, incumprimento ou inflação e os custos de empréstimos são mais elevados. E se os bancos centrais fossem retirados dos banqueiros não eleitos e entregues a representantes fiscais eleitos? Para muitos políticos, o objetivo principal é permanecer no poder… A inflação e os impostos são, em muitos aspetos, simplesmente duas faces da mesma moeda. Os governos sem acesso às receitas fiscais podem, em vez disso, desvalorizar a moeda.
Paulo Rosa, Jornal de Negócios, 7 de dezembro 2020
A economia circular
A frase do químico francês Antoine-Laurent de Lavoisier, “Na Natureza, nada se
cria, nada se perde, tudo se transforma”, adequa-se plenamente à crescente
importância da economia circular e à aceleração da economia ‘zero desperdício’.
A economia circular representa um dos principais meios para a sustentabilidade
do planeta, bem como uma enorme oportunidade de mercado. Todavia, há uma
dessincronização entre as multinacionais que lutam para acompanhar a inovação
circular e os empreendedores que não têm recursos para crescer. A economia circular
está lentamente a unir as duas partes para promover a agenda de desperdício
zero.
No início de 2021, as empresas enfrentam uma matriz complexa de desafios -
desde o aumento das tensões geoeconómicas, até à urgência das alterações
climáticas. Com menos de dez anos para atingir os objetivos de ‘Desenvolvimento
Sustentável das Nações Unidas’ (ODS), a atual década é crucial para a
sustentabilidade do planeta e os líderes mundiais gradualmente agem na
prossecução desse objetivo. A transição para um modelo económico circular
global é fundamental para reduzir a degradação ambiental e priorizar a
biodiversidade e a natureza, ao mesmo tempo que proporciona competitividade
futura. Numa economia circular, o desperdício é eliminado e os produtos são
devolvidos ao sistema de produção no final da sua utilização. Consequentemente,
o crescimento é ‘desligado’ o mais possível do consumo de recursos escassos e
os materiais são mantidos em utilização no sistema produtivo pelo maior tempo
possível.
A economia circular representa uma oportunidade de mercado única de mais de 4,5
biliões de dólares até 2030, de acordo com a Accenture Strategy em 2015,
atualmente cerca de 5% do PIB mundial anual. A aceleração dessa transição
depende da adoção de novos modelos de negócio inovadores e dos avanços
tecnológicos disruptivos. Juntamente com a priorização de novos modelos de
negócio, que agora respondem por cerca de 30% do investimento em M&A (Fusões
e Aquisições) de acordo com a análise da Accenture em outubro de 2020, a adoção
de novas tecnologias digitais, físicas e biológicas pode gerar novas
oportunidades e entregar o triplo do resultado financeiro das grandes empresas.
Hoje, as grandes multinacionais com cadeias de abastecimentos e processos cada
vez mais complexos podem esforçar-se pela inovação circular, mas às vezes podem
faltar os recursos necessários para abraçar novos modos na transição para
negócios circulares. Todavia, e em contraste, os empreendedores têm as soluções
disruptivas para resolver esses desafios, mas podem não ter capital ou recursos
para replicar as suas soluções.
Uma iniciativa da Accenture, o ‘Circulars Accelerator’, agiliza a conexão entre
as multinacionais e os empreendedores. As partes interessadas em toda a cadeia
de valor têm o poder de abraçar totalmente a inovação e mutuamente beneficiar
de inovação colaborativa e alianças estratégicas. As ‘startups’ são classificadas
num dos três tipos de solução necessários para a transformação circular, que
juntos abrangem toda a cadeia de valor e respondem a desafios circulares
específicos: 1) Produção inovadora que cria e fornece produtos, embalagens e
soluções pioneiras. Por exemplo, a StixFresh na Malásia tem um adesivo 100%
vegetal que aumenta a vida útil dos produtos frescos até 14 dias, e de acordo
com a FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura) das Nações Unidas, um
terço dos alimentos vão para o lixo. 2) O consumo da transformação. Atualmente,
e de acordo com o Fórum Económico Mundial, consumimos 1,75 vezes mais recursos
a cada ano do que a Terra pode regenerar naturalmente. Gradualmente aparecem novos
modelos de consumo circular, incluindo a extensão da utilização do produto (reparação,
mercados secundários), embalagens reutilizáveis e plataformas de partilha. 3) Recuperação
de valor. Este ‘cluster’ prioriza soluções que fecham o ciclo no atual sistema
linear existente, “take, make, waste” (“retirar, fazer, desperdiçar”). Este
grupo de inovadores cria novas maneiras que permitem a reutilização de produtos
e a recuperação do valor existente nos resíduos ou produtos em fim de utilização.
Paulo Rosa, In Vida Económica, 23 de abril de 2021
Quarta Revolução Industrial em Curso
A pandemia acelerou a Quarta Revolução Industrial, apesar de
todos os avanços e recuos no início e durante a fase mais grave e penalizadora
da pandemia e do confinamento. A convergência e a interação entre tecnologias
emergentes, como a robótica, a Inteligência Artificial (AI - Artificial
Intelligence), a ‘Internet das Coisas’ (IoT – Internet of Things), a computação
em nuvem, a computação quântica, a nanotecnologia, entre outras, estão em forte
aceleração imposta pelo distanciamento social, em consequência da pandemia, que
tem impulsionado o teletrabalho, o comércio eletrónico e a crescente
convivência em casa e à distância. Todavia, no início do confinamento, na
primavera do ano passado, as previsões de crescimento das novas tecnologias
foram revistas em baixa. Ao nível da IoT e em resultado das paralisações na
produção, interrupções nas cadeias de abastecimento e escassez de componentes,
a IoT, em 2020, diminuiu 18% em comparação com a previsão pré-covid no final de
2019, segundo a ABI Research. O elevado nível de incerteza em torno da
propagação da covid-19, no ano passado e que ainda hoje persiste, e o
desenvolvimento, produção e distribuição de uma vacina potencial tiveram um
impacto na procura de aplicações da IoT que resultaram em alterações ao nível
das preferências do consumidor.
Muitos projetos empresariais e planos de cidades
inteligentes foram colocados em espera porque as empresas tiveram que lidar com
a desaceleração da economia, e contração global no segundo trimestre de 2020,
determinada pela pandemia, e os governos priorizaram e redirecionaram os seus
orçamentos para responderem à crise sanitária.
No entanto, a disseminação do novo coronavírus impulsionou a
crescente utilização das novas tecnologias. As câmaras de deteção de
temperatura para identificarem potenciais infeções aumentaram substancialmente
e a procura de tecnologias que facilitam o gradual regresso em segurança dos
trabalhadores às empresas é, também, provável que continue a crescer. Muitas
empresas fornecedoras de soluções IoT alteraram rapidamente o seu conceito para
o desenvolvimento de aplicações relacionadas com a covid-19 e dispositivos para
serviços como redes sociais de monitorização do distanciamento.
Atualmente, a utilização da IoT cresce a ritmos crescentes e
acima do previsto antes da pandemia, no final de 2019. Os dispositivos
conectados enquadram-se em três domínios: IoT do consumidor, como ‘smartphones’
e ‘wearables’, IoT empresarial, que inclui fábricas inteligentes e agricultura
de precisão, e IoT de espaços públicos, como seja a gestão de resíduos. Na
medicina, a IoT ajuda a melhorar a saúde através da monitorização remota em
tempo real do paciente, da cirurgia robótica e de dispositivos como inaladores
inteligentes. Atualmente, um ‘smartwatch’ monitoriza o ritmo cardíaco e alerta
o utilizador para alterações graves, ou poderá avisar um centro de
monitorização. Nos últimos 12 meses, o papel da IoT na pandemia de covid-19 foi
determinante. No futuro, o conjunto e a variedade de aplicações de IoT em
potencial é "limitada apenas pela imaginação humana", e isso inclui a
promoção da sua utilização na maior eficiência dos recursos naturais, na
construção de “cidades inteligentes”, melhores e mais justas, e no
desenvolvimento de alternativas energéticas limpas e acessíveis.
A tecnologia 5G, e 6G nos próximos anos, aumenta
significativamente a velocidade de processamento de dados e reduz
substancialmente o tempo de latência, permitindo que estradas inteligentes de
IoT se conectem com carros autónomos, melhorem a segurança do condutor e
otimizem o fluxo de tráfego, reduzindo potencialmente o tempo médio das
deslocações. Os tempos de atendimento de emergência médica também podem ser
reduzidos significativamente. O mapeamento de um crime em tempo real e as
ferramentas ao dispor das forças de segurança também podem ajudar a prevenir o
crime.
Porém, apesar de todos os benefícios, as tecnologias de IoT
levantam também potenciais riscos, tais como questões de segurança e
privacidade, crimes cibernéticos, vigilância no trabalho, em casa ou em espaços
públicos e controle de mobilidade e expressão. Riscos que devem ser acautelados
através da constante atualização da legislação em vigor.
Paulo Monteiro, In Vida Económica, 14 de abril de 2021
quarta-feira, 27 de outubro de 2021
Bitcoin: A moeda dos que não têm moeda?
Nos últimos cinco anos o kwanza angolano perdeu 75% do seu
valor relativamente ao dólar norte-americano, o peso argentino 85%, a lira
turca dois terços e o real brasileiro metade do seu valor. Entretanto, nesse
período a bitcoin (BTC) multiplicou o seu valor por 100, de 660 dólares em
outubro de 2016 para os atuais 66 mil dólares.
Perante estes números, não é de estranhar uma gradual
preferência e adoção da BTC pelas populações dos países de fronteira, e mesmo
de algumas economias emergentes, em detrimento das suas moedas locais. A
desconfiança de muito povos africanos, latino-americanos e asiáticos nos seus
governos e instituições é, talvez, maior do que o receio nos algoritmos da BTC.
Apesar do curso forçado da moeda local, a procura por uma moeda estrangeira
robusta, como o dólar, para proteção contra as suas moedas inflacionistas é uma
realidade há muitas décadas e, atualmente, a moeda norte-americana tem a
rivalidade da BTC. Países com baixos índices de desenvolvimento humano,
caracterizados por aparelhos produtivos desestruturados e baixos níveis de
educação, procuram meios de pagamento alternativos que facilitem as trocas e
preservem o valor. A subida exponencial da BTC desperta o interesse de muitos,
e apesar da elevada volatilidade afastar, eventualmente, as populações das
economias avançadas, não será, talvez, um problema para as pessoas dos países
subdesenvolvidos.
Mesmo as principais moedas mundiais têm sido penalizadas na
última década pelas musculadas políticas monetárias expansionistas encetadas
pelos seus bancos centrais. A descida das taxas juro para níveis próximos de
zero, ou mesmo negativos, parece não ter sido suficiente para estimular o
crescimento económico. Por conseguinte, o Banco do Japão e a Reserva Federal
dos EUA (Fed), em primeiro lugar, seguidos depois pelo Banco Central Europeu,
compram há anos títulos de dívida pública, e outros ativos, financiando
indiretamente e monetizando as crescentes dívidas públicas dos seus governos,
no intuito de promoverem o crescimento e segurarem a secular hegemonia
económica global. Esta postura descredibiliza as principais moedas mundiais e
beneficia a BTC, uma criptomoeda deflacionista. Nos últimos meses, cresce o
receio de estagflação, mas o ouro, uma reserva de valor milenar, mantém-se
estável e não corrobora essa preocupação, todavia a BTC valorizou mais de 100%
desde os mínimos de meados de julho e alcança novos máximos históricos. Será a
BTC percecionada, atualmente, como uma cabal reserva de valor e mais importante
do que o ouro? Em março do ano passado, início do confinamento ditado pela
pandemia, diante da incerteza e da volatilidade, a BTC perdeu 50% e o ouro caiu
14%, no entanto o dólar valorizou. Em momentos críticos, a preferência por
liquidez recai sobre a moeda norte-americana que continua a dominar.
Tentar restaurar a credibilidade das moedas fiduciárias, mediante a retirada
dos estímulos monetários e aumento de juros pelos bancos centrais, poderá
desencadear instabilidade no sistema financeiro (queda de ações, obrigações,
imobiliário, problemas com hipotecas e serviço da dívida pública mais elevado)
e espoletar uma nova ronda de estímulos monetários. Será um ciclo vicioso? Nada
fazer descredibiliza as principias moedas fiduciárias e fomenta as
criptomoedas. Em 2018 a Fed tentou reverter a política monetária, mas desistiu,
após 20 meses, devido à desaceleração económica. No entanto, nesse ano a BTC
perdeu mais de 70%.
A mineração de BTC, validação fundamental das transações,
tem custos substanciais com energia, refrigeração, computadores e mão de obra,
mas garante a segurança do sistema. Quanto mais elevada for a cotação da BTC,
mais mineiros serão atraídos e menos vulnerável será o sistema. A queda
significativa da BTC pode significar prejuízos para muitas ASICs
(supercomputadores utilizados para calcular o ‘hash’/código certo na mineração
de um bloco e o adiciona à blockchain a cada 10 minutos, em média, validando
assim as transações), afastando as máquinas mais poderosas e aumentando a
vulnerabilidade do sistema que ficará entregue a computadores mais vulgares.
Neste cenário, um ataque informático bem-sucedido aumenta consideravelmente,
mas o baixo ‘market cap’ poderá afastar os melhores ‘hakers’. Aparentemente, é
um sistema que se autorregula.
A BTC tem um ‘market cap’ de 1,1 biliões de dólares e a capitalização do ouro é
de 11,4 biliões de dólares. Procuram os entusiastas da BTC alcançar o ‘market
cap’ da BTC e ser uma cabal reserva de valor? Atualmente, o ‘market cap’ de
todas as criptomoedas é de 2,5 biliões de dólares, quase 3% do PIB mundial. É,
provavelmente, um montante já considerável e que espoletaria uma crise
financeira se se volatilizasse…
O consumo de eletricidade médio anual na mineração da BTC é, atualmente, de 112
TWh, ou seja, mais do dobro da eletricidade consumida em Portugal em 2019. Mas
a mineração de ouro gasta anualmente 131 TWh, segundo o índice de Cambridge, e
a banca tradicional 139 TWh, de acordo com a IYOPS. O consumo total anual de
energia dos bancos tradicionais é de cerca de 26 TWh em servidores e
computadores em execução, 26 TWh em caixas eletrónicas e 87 TWh é uma
estimativa para o funcionamento de mais de 600 mil agências bancárias em todo o
mundo.
Os mineiros suportam custos na expectativa de uma potencial recompensa futura.
O risco de não receberem a recompensa pela mineração de um bloco, após trabalho
executado, incentiva os mineiros a seguirem as regras. Numa alusão à teoria dos
jogos, os mineiros ganham mais em cooperar do que em defraudar os outros
mineiros.
Na semana passada, foi lançado nos EUA, e com a anuência da SEC, o primeiro ETF
cujo subjacente é a BTC. É crescente a entrada de entidades credíveis na
comunidade bitcoin, como forma de diversificar a carteira e aproveitar as
subidas das criptomoedas. A volatilidade da BTC, a crescente concorrência e os
avanços tecnológicos são talvez as principais ameaças à BTC. Não há barreiras à
entrada de novas criptomoedas.
No entanto, a BTC é uma moeda digital mercadoria que não permite impressão
pelos bancos centrais para debelar uma crise financeira.
A importância de uma moeda depende do número de agentes económicos que a adotam,
referenciam, suportam ou dão o benefício da dúvida. Cerca de 53% da população
mundial não tem conta bancária, porque não quer, não preenche os requisitos ou por
debilidades dos sistemas bancários e são os principais potenciais utilizadores
de criptomoedas de sucesso.
Será a BTC talvez mais uma moda do que uma moeda? Em boa verdade, aqueles que
não se reveem na sua atual moeda e confiam nos algoritmos da BTC, como cabal
reserva de valor e facilitadora das transações, são potenciais impulsionadores
desta criptomoeda. O mundo não é preto e branco, há cinzentos mais claros ou
mais escuros, há prós e contras.
A independência de uma autoridade central poderá ser uma vantagem para muitos,
mas a ausência de regulamentação governamental será uma desvantagem para outros
tantos que se reveem mais num ordoliberalismo.
Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 29 de outubro de 2021
sexta-feira, 22 de outubro de 2021
Produtividade e inflação dos bens e serviços
A produtividade é a relação entre a produção e a quantidade de fatores de produção utilizados, nomeadamente trabalho e capital, e mede a eficiência na produção de bens e serviços, através de melhores resultados obtidos em menos tempo e com menos esforço. A produtividade do trabalho é definida pelo PIB por trabalhador ou PIB por horas trabalhadas. O PIB suíço é o triplo do português e tal é conseguido com menos população ativa, o que confere aos helvéticos uma produtividade do trabalho quatro vezes superior à dos portugueses.
Por exemplo, uma empresa com 100 trabalhadores e cuja produção diária, medida pela receita, são € 20 mil, num total de 800 horas de trabalho, apresenta uma produtividade do trabalho de € 25/hora. A empresa poderia aumentar a sua eficiência através da aquisição de novas máquinas, computadores mais recentes, simplificação de rotinas e mitigação dos custos burocráticos. Se essa modernização culminasse num acréscimo de receita diária para € 40 mil, a produtividade do trabalho aumentaria 100% para € 50/hora e a empresa estaria agora mais competitiva via preço, sendo possível subir salários. Uma competitividade extra-preço permitiria acréscimos ainda mais significativos, através da diferenciação do produto, de tal modo que a receita diária subiria, por exemplo, para € 100 mil, ou seja, uma produtividade do trabalho € 125/hora. Tal seria possível se a empresa vendesse camisolas de marca registada a € 50, em vez de blusas indiferenciadas a € 5.
O benefício da descida dos custos de produção é repassado em parte aos clientes e em parte à força de trabalho através de salários mais elevados. Mas o setor dos serviços dificilmente apresenta acréscimos de produtividade, todavia os salários também aumentam, fenómeno descrito como a “doença do custo de Baumol”, avançado por William Baumol, em 1966, que exemplificou com um quarteto de cordas. Para tocar uma peça escrita para um quarteto de cordas são necessários, atualmente, os mesmo quatro músicos que no século XIX. Em suma, o aumento da produtividade nas fábricas impulsiona o nível de poupança através da redução dos preços dos bens e do aumento dos salários nas fábricas. O aumento da produtividade no setor manufatureiro eleva inevitavelmente o custo de serviços intensivos em mão de obra, como concertos. Se alguma orquestra pagasse a um músico o mesmo salário de há 200 anos, não teria ninguém para tocar e todos quereriam trabalhar na indústria manufatureira. O aumento da produtividade dos trabalhadores nas fábricas impulsiona os salários nos serviços. A poupança nas fábricas aumenta a procura de concertos, permite o aumento dos preços dos bilhetes e, consequentemente, os salários dos músicos.
Os preços dos bens tendem a ser deflacionistas e dos serviços inflacionistas. Mais precisamente, os preços dos bens transacionados internacionalmente estão expostos a mais concorrência e, por isso, tendem a ser mais deflacionistas do que os bens não transacionados internacionalmente. Os preços dos serviços prestados localmente tendem a ser os mais inflacionistas no cabaz de bens e serviços.
Eletrodomésticos gradualmente mais baratos em termos reais proporcionam um aumento do consumo de educação e saúde, tendencialmente mais caros. Setor primário, secundário e terciário de serviços indiferenciados tendem a ser mais deflacionistas. O setor terciário superior (ou quaternário) que incluiu as atividades intelectuais, tende a ser inflacionista.
A substituição de trabalhadores por máquinas acontece em menor escala nos setores da saúde, arte, educação, atividades humanas não rotineiras, cujas melhorias não vêm do ganho de produtividade, mas dos ganhos de experiência dos funcionários.
A melhor forma de abordar a teoria da produtividade é
transformar serviços em bens. Contratar um alfaiate para fazer um fato por
medida é caro, então compramos um fato de fábrica, ou seja, fatos como um bem e
não como um serviço. Da mesma forma, podemos consumir o “bem” do quarteto de
cordas na forma de uma gravação, em vez do “serviço” ao vivo. Transformar
serviços em mercadorias industrializa o processo e reduz os custos. Em boa
verdade, o confinamento ditado pela pandemia impulsionou o consumo de bens em
detrimento dos serviços e contribui para a queda dos preços. Este ano, o
gradual regresso aos serviços, como concertos e teatros, tem alimentado também
a subida da inflação.
Paulo Monteiro Rosa, In Vida Económica, 22 de outubro de 2021
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- Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.